O Ministério Público vai passar a ter um ano - o dobro dos atuais seis meses - para abrir investigações por violação e coação sexual "sempre que o interesse da vítima o aconselhe". O prazo para as vítimas de crimes sexuais contra adultos apresentarem queixa também vai ser alargado de seis meses para um ano.
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As alterações ao Código Penal, propostas pelo PS, foram aprovadas esta quarta-feira, por unanimidade, na Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, ficando só a faltar, para seguir para promulgação pelo presidente da República, a previsível confirmação do diploma, na próxima sexta-feira, em plenário.
A ampliação do prazo para apresentação de queixa já tinha, de resto, tido luz verde de todos os deputados em março de 2023, antes de descer à comissão. Já o alargamento do período para, a partir do momento em que tem conhecimento do eventual crime, o Ministério Público abrir um inquérito decorreu do trabalho parlamentar na especialidade.
"Os pareceres [de entidades da área da Justiça sobre o projeto de lei do PS] sugerem que esse prazo passe a existir também nas hipóteses em que, sem queixa, o Ministério Público, instaura autonomamente o processo", justificou, esta quarta-feira, a deputada socialista Cláudia Santos, na Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Crime público não avançou
Em março de 2023, tinham descido igualmente à especialidade, mas sem votação, projetos de lei de Chega, Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda (BE) e PAN para que o crime de violação passasse a ter natureza pública, de modo a que a denúncia de qualquer cidadão fosse suficiente para ser aberto um procedimento criminal. Na altura, PS, PSD e PCP invocaram o "respeito" pela vontade das vítimas para se opor aos diplomas.
Do trabalho em comissão não resultou qualquer consenso, tendo, na reunião desta quarta-feira, chegado a ser aventada a possibilidade de os quatro projetos de lei, debatidos em simultâneo com o diploma socialista, serem retirados. Tal acabou por não se verificar e os quatro projetos de lei serão, igualmente na próxima sexta-feira, votados em plenário, para, ao que tudo indica, serem chumbados.
Mulheres Juristas em "desacordo"
Num contributo remetido aos deputados, datado de 27 de junho de 2023, a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (APMJ) expressou, aliás, já "o seu desacordo com a opção de não atribuição da natureza pública ao crime de violação".
Ainda assim, a APMJ, presidida pela juíza conselheira Maria Teresa Féria de Almeida, reconheceu que nenhum dos projetos de lei nesse sentido garantia "suficientemente" de uma "forma efetiva e real a necessária proteção das vítimas dos crimes sexuais, máxime a violação", tendo, por isso, proposto algumas modificações legais para melhorar os diplomas.
A maioria das sugestões foi adotada pelo Bloco de Esquerda numa proposta de alteração ao projeto de lei do PS, mas o documento foi, esta quarta-feira, rejeitado na Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
BE tentou incluir exceção
Na proposta de alteração, os bloquistas pretendiam ainda que a exigência de queixa para abrir procedimento criminal por violação e abuso sexual de pessoa incapaz de resistência caísse quando estes fossem "objeto de divulgação ou exposição através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada".
"Já foram publicitados, e portanto, não faz sentido que, perante o Ministério Público, não sejam crimes públicos", alegou a deputada Joana Mortágua (BE), sublinhando que, naquelas situações, "já se torna muito difusa a ideia de privacidade da vítima".
O artigo é um dos três da sua proposta de alteração que, apesar do chumbo, o grupo parlamentar do BE requereu que sejam votados uma segunda vez, em plenário, também na próxima sexta-feira.