Tribunal da Relação diz que arguidos, suspeitos de pertencer a organização galega com a missão de retirar 400 quilos de cocaína de um contentor, só cometeram atos preparatórios.
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Iriam receber pelo menos 150 mil euros para retirar 400 quilos de cocaína escondidos num contentor marítimo, recheado de polpa de morango, no Porto de Sines. A investigação tinha vigilâncias, escutas e até uma imagem, apreendida a um dos suspeitos, do rastreamento do navio que chegava do Brasil. Os três principais arguidos foram condenados em primeira instância, mas o Tribunal da Relação do Porto absolveu-os, entendendo que tinham, apenas, praticado atos preparatórios à importação de 13 milhões de euros de cocaína, apreendida pela PJ, em agosto de 2020.
A operação chamou-se “Vento Norte” e cumpriu com o principal objetivo: evitar que os 400 quilos de droga chegassem ao mercado. Mas, simultaneamente à apreensão, a PJ detinha oito pessoas suspeitas de se terem organizado para retirar a droga do contentor e remetê-la a traficantes galegos, a troco dos 150 mil euros. A cocaína chegou num navio porta-contentores que tinha saído do porto de Salvador da Baía.
Os quatro espanhóis e outros tantos portugueses, com idades entre os 22 e 65 anos, seriam liderados por um galego, que está atualmente preso em Alicante, no âmbito de outro processo que corre termos em Espanha. Miguel Angel seria o ela de ligação com a organização criminosa. Em julgamento, no Tribunal de São João Novo, no Porto, foi dado como provado que o homem teve o papel de recrutar operacionais em Portugal para descarregar e levar a droga até um armazém de fruta, situado em Vialonga. Também ficou demonstrado, através de inúmeras vigilâncias da PJ, que o galego promoveu reuniões e pagou as estadias em hotéis dos outros arguidos. Logo após a sua detenção, Miguel Angel bloqueou e encriptou o seu telemóvel, o que foi considerado pela acusação como um indício da organização do grupo. Outros dois arguidos também foram detidos com este tipo de equipamento.
No tribunal de primeira instância, Miguel e dois alegados braços direitos foram condenados a penas entre os 10 e os 7 anos de cadeia por tráfico agravado, não sendo responsabilizados pelo crime de associação criminosa. Os outros arguidos foram absolvidos por falta de prova.
Tanto os condenados como o Ministério Público recorreram e, num recente acórdão, os juízes da Relação do Porto decidiram absolver os três condenados e manter as outras decisões para os outros arguidos, já ilibados.
Sem “flagrante”
“As condutas que os arguidos levaram a cabo cabem na definição de atos preparatórios, porque são inidóneos para a concretização da tarefa com que se comprometeram”, afirmam os desembargadores que explicaram: “Atos preparatórios, são atos que se realizam antes do início da execução do crime. Em regra, não representam um perigo concreto para o bem jurídico tutelado, são disso exemplo o planeamento do crime […] os arguidos não foram apanhados pela PJ em plena execução de qualquer dos atos necessários à receção da cocaína em Portugal e à entrada na sua posse, para posterior transporte”.
A Relação também criticou o MP, afirmando: “Não conecta nenhuma prova angariada nos autos, que pudesse conceber como indiciária relativamente aos factos que pretende ver provados, com algum deles em concreto. E claramente confunde suspeitas com provas”.
O MP ainda pode recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, na tentativa de obter uma condenação.
Advogados
“Os arguidos não cometeram qualquer crime de tráfico”
Os advogados do principal arguido, Ricardo Pinto e Joana Oliveira Silva, mostraram satisfação com a decisão. “A absolvição de todos os arguidos circunscreve-se ao facto de apenas terem sido praticados meros atos preparatórios do crime de tráfico de estupefacientes, os quais, no nosso ordenamento jurídico, regra geral, não são punidos”, explicaram. De acordo com os defensores, os arguidos apenas seriam responsáveis por retirar a droga do Porto de Sines e realizar o posterior transporte da mesma, “o que não veio a suceder, em virtude de a cocaína ter sido apreendida pela PJ”, disseram, concluindo: “assim, entendeu, e bem, o Tribunal da Relação do Porto absolver os arguidos, por os mesmos não terem conseguido executar nenhum ato típico do crime de tráfico pelo qual haviam sido condenados em primeira instância”.
Pormenores
Arguidos foram libertados
Após a decisão do Tribunal da Relação, foi ordenada a libertação dos arguidos, que estavam em prisão preventiva, desde agosto de 2020. Só o principal arguido Miguel Angel se manteve privado da liberdade por estar detido na cadeia de Alicante, em Espanha, ao abrigo de outro processo.
Telemóveis com “botão de pânico”
O grupo utilizava telemóveis equipados com o software de encriptação, “SKYECC”. É um sistema altamente sofisticado e cuja licença custa entre os 600 euros e os 2200 euros anuais. Este tipo de aparelho está equipado com um “botão de pânico”, capaz de encriptar ou apagar todos os dados do telemóvel.