O presidente da Câmara Municipal de Gaia e a esposa remeteram-se, esta terça-feira, ao silêncio no início do julgamento em que estão acusados da prática, em coautoria, de um crime de peculato, por terem usado, como se fosse sua, uma viatura municipal que tinha sido cedida à Casa da Presidência pela Águas de Gaia.
Corpo do artigo
No Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia, os arguidos, Eduardo Vítor Rodrigues e Elisa Rodrigues, depois de identificados, comunicaram a sua intenção de permanecer em silêncio nesta fase do processo.
A sessão prosseguiu com a audição de funcionários da empresa municipal. O primeiro a ser ouvido foi o gestor de frota, à data. Filipe Lima disse desconhecer a existência do Renault Zoe na frota. “Tem a certeza que nunca o viu?", questionou o procurador do Ministério Público (MP). “Julgo que sim”, disse.
Confrontado com fotografias e correspondência que consta no processo e que comprovam a existência do veículo na frota da empresa municipal, desde dezembro de 2017, Filipe alegou que era o departamento financeiro que elaborava o documento. “Vi eventualmente a fazer uns carregamentos. Não posso precisar. Recordo-me de ver lá a fazer alguns carregamentos”, frisou.
Seguiu-se Joaquim Santos, técnico superior da Águas de Gaia e posterior gestor de frota. Disse que a viatura era carregada nas garagens da empresa municipal, na hora de almoço, e que uma vez recebeu uma notificação de pagamento de portagem da Ascendi.
À saída do tribunal, Eduardo Vitor Rodrigues, que também é presidente da Área Metropolitana do Porto, disse estar “tranquilo” e disposto a colaborar com a Justiça: “As testemunhas acabaram por demonstrar que [o teor da] carta anónima, que deu origem a este maravilhoso processo, caiu por terra. O que temos aqui é um veículo que foi adquirido em parceria com a Águas de Gaia para servir de 'shuttle' no centro histórico e que, alegadamente, estaria ao serviço da minha mulher. Agora está-se a verificar que tudo isso é falso”, afirmou o autarca aos jornalistas.
Segundo Eduardo Vítor, a viatura tinha como propósito servir as populações idosas do centro histórico que, depois das obras na Avenida Diogo Leite, ficaram sem acesso próximo a transportes públicos.
Já sobre o facto do veículo ficar estacionado num parque contíguo à sua residência, em Vila Nova de Gaia, e de este ser carregado no parque das Águas de Gaia, embora desconhecendo os responsáveis pela gestão da frota a sua aquisição, o presidente da autarquia foi perentório: “Nem tinham que ter [conhecimento]. Ele esteve ao serviço da Presidência. Usei-o variadíssimas vezes em lugar do carro que a Câmara Municipal me destina que, como sabem, é bem melhor do que um Zoe.”
Ressalvando que, “em nenhum momento” usa ou usou os carros da Câmara a “título pessoal”, o presidente da autarquia gaiense lamentou que, em Portugal, “uma carta anónima tenha peso de Estado”.
Questionado pelo JN sobre a razão pela qual permaneceu em silêncio no julgamento, num direito que lhe assiste, o autarca disse que "não é oportuno" prestar depoimento nesta fase e que o fará posteriormente.
A 15 de novembro de 2021, o Tribunal Judicial da Comarca do Porto decidiu confirmar a acusação do Ministério Público (MP) e pronunciar o autarca e a mulher, julgando totalmente improcedentes as nulidades e demais questões invocadas pelos arguidos no requerimento de abertura de instrução.
Segundo o MP, os arguidos decidiram usar, “como se fosse seu, um veículo elétrico adquirido em regime de locação financeira por empresa municipal, na sequência de contrato de ajuste direto celebrado a 13 de outubro de 2017, mediante o pagamento de uma renda mensal de 614,54 euros”.
O veículo foi emprestado pelo Conselho de Administração da empresa municipal Águas de Gaia à Casa da Presidência do Município, estando na disponibilidade de uso do então presidente da Câmara Municipal, desde novembro de 2017.
Acrescenta o Ministério Público que “os arguidos decidiram entre si que o veículo passaria a ser usado pela arguida nas suas deslocações diárias de e para o trabalho, aos fins de semana e feriados e em deslocações pessoais ou de lazer, o que efetivamente fez, entre novembro de 2017 e junho de 2018.”
A acusação diz que os arguidos sabiam que a a viatura estava afeta “ao interesse público e que as despesas de locação, manutenção e seguro eram pagas por empresa pública”.
Em consequência desta atuação, refere o MP, os arguidos "beneficiaram indevidamente" de 4.916 euros, valor das oito rendas da locação do veículo, entre novembro de 2017 e junho de 2018. Por isso, pede que Eduardo Vítor Rodrigues e a esposa sejam também condenados a pagar solidariamente este valor ao Estado, correspondente à "vantagem da atividade criminosa obtida" por ambos.
O julgamento prossegue na quinta e sexta-feira.