A Polícia Judiciária (PJ) quer saber se um homem indiciado por quatro crimes de violação agravada sobre a filha, de 14 anos, a infetou com clamídia, uma infeção sexualmente transmissível. Para tal, quis recolher-lhe amostras biológicas, mas o arguido, que está em prisão preventiva e nega os crimes, não consentiu.
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O Juízo de Instrução Criminal de Aveiro ordenou então que lhe fosse recolhido sangue, com agulha e seringa, por punção, nos braços, processo a que deveria “ser compelido” caso se recusasse. Inconformado, o homem recorreu, mas o Tribunal da Relação do Porto validou recentemente a diligência.
Os inspetores suspeitam que a infeção – diagnosticada, em 27 de agosto do ano passado, no raspado endocervical e endouretral da menor – teve origem nos contactos sexuais entre pai e filha. Por isso, a PJ notificou pessoalmente aquele para realizar a colheita de amostras biológicas no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, a 20 de dezembro. O suspeito recusou-se a dar o seu consentimento, mas, após promoção do Ministério Público, seria obrigado pelo Juízo de Instrução Criminal de Aveiro.
O arguido pediu a revogação do despacho judicial, alegando que este não esclarecia o tipo de amostras biológicas pedidas (saliva, sangue ou sémen) nem a forma de as recolher. Sustentou assim que, não o informando de forma adequada sobre a natureza e a finalidade da diligência, violava o seu direito à integridade física e moral. Alegava também que o despacho não cumpria os requisitos legais quanto à perícia, como a identificação “da instituição, laboratório ou nome dos peritos que realizarão a perícia”.
Mas, no acórdão a que o JN teve acesso, as desembargadoras Maria da Silva e Sousa, Maria dos Prazeres Silva e Fernanda Sintra Amaral entenderam que a ordem dada pelo despacho judicial de Aveiro está “justificada e legitimada”. Afirmam também que a prova que se pretende obter “é importantíssima”, pois, estando em causa crimes de violação, “a prova testemunhal presencial é inexistente”, pelo que a realização do exame contribuirá “para a descoberta da verdade material”.
As desembargadoras sublinham que “a gravidade dos factos em investigação é elevadíssima” e que o procedimento a efetuar “é um vulgar exame sanguíneo que todos os dias é feito por milhares de pessoas voluntariamente”.
Em resposta às questões levantadas no recurso, as desembargadoras dizem que a ofensa ao direito à autodeterminação corporal é “irrelevante” e que a intromissão na sua integridade física é “insignificante”. “Por outro lado, é uma diligência que se afigura como única via legal de alcançar os fins visados; existe uma proporção racional - uma 'justa medida' - entre o custo da medida para o arguido e o benefício que se almeja obter para a investigação do crime; sendo que não há dúvidas que os bens jurídicos protegidos pelos crimes sexuais em causa (...) são superiores à reserva da intimidade privada do arguido”, concluíram.
MP diz que arguido teme resultado
No seu parecer, o Ministério Público da primeira instância afirmou que o arguido recusou realizar o exame por saber que o resultado poderá reforçar o depoimento da sua filha e contrariar a sua versão dos factos.
Constituição não proíbe em absoluto
O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a recolha de material biológico. Entende que a Constituição não proíbe, em absoluto, a recolha coativa de material biológico de um arguido, nem a posterior análise não consentida, para fins de investigação criminal. Devem é ser feitas por determinação de um juiz.