A defesa de Manuel Fernando Espírito Santo, primo de Ricardo Salgado, considerou esta terça-feira que o seu cliente foi um "ingénuo útil" que, embora pudesse ter diligenciado para conhecer a real situação do Grupo Espírito Santo (GES), se limitou a confiar no antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES).
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"O arguido Manuel Fernando Espírito Santo confiou no modelo de exploração do BES", afirmou, no arranque do julgamento do processo principal da queda do BES/GES, o advogado José António Barreiros, sublinhando que o próprio arguido, acusado de burla qualificada, se sentiu "enganado" quando foi revelado que as demonstrações financeiras tinham sido "escamoteadas".
Para o mandatário, o julgamento permitirá compreender "em que medida" Francisco Machado da Cruz, que terá falsificado a contabilidade da holding que controlava o GES - a Espírito Santo International (ESI), detida pelos cinco ramos da família Espírito Santo, falida desde 2009 - "transmitiu a situação real" do grupo a Manuel Fernando Espírito Santo.
Esta terça-feira, o advogado de Francisco Machado da Cruz lembrou que o contabilista já admitiu, em diversas instâncias, a falsificação das demonstrações financeiras da ESI, mas ressalvou que não pode ser "responsablizado" por tudo o que aconteceu. Miguel Cordovil de Matos pretende negar, sobretudo, que o seu cliente, a responder por 33 crimes, tenha integrado a "associação criminosa" que o Ministério Público acredita ter sido liderada por Ricardo Salgado e que terá atuado em benefício pessoal dos seus "membros", em detrimento dos interesses dos clientes do BES.
"Nunca teve consciência nem intenção de participar naquilo a que o Ministério Público chama associação criminosa", afirmou o advogado, sublinhando que nunca é identificado o "momento" em que Francisco Machado da Cruz "deixa de ser um empregado do grupo" para passar "a ser um vilão" dedicado a cometer crimes. Miguel Cordovil de Matos recordou, igualmente, que os "prémios" que supostamente terão constituído contrapartidas financeiras já eram recebidos antes da suposta atividade criminosa.
"Foi bombeiro, não incendiário"
Em causa estão pagamentos no estrangeiro a vários dos arguidos e que, para o Ministério Público, justificam a acusação de corrupção ativa no setor privado contra Ricardo Salgado e a de corrupção passiva no setor privado contra os quadros que deles beneficiaram.
Entre estes, está Amílcar Morais Pires, a responder por 24 crimes e a partir de certa altura o braço-direito do antigo presidente do BES. "Ficará demonstrado que os prémios que recebeu foram muito merecidos. Não foi por ter vendido a alma ao diabo: foi porque trouxe milhões e milhões de euros pela sua extraordinaríssima eficiência [profissional]. Se não tivesse recebido aqueles prémios, ia ser contratado por um banco norte-americano", sustentou, esta terça-feira, o seu advogado.
Raúl Soares da Veiga alegou mesmo que a sua competência era tal que atuava como "bombeiro de serviço". "O Ministério Público confunde isto com ser o incendiário de serviço. De facto, [Amílcar Morais Pires] estava nas situações todas, mas não foi a atear o fogo, foi a apagá-lo", ironizou.
Outros dos defensores que concluíram, esta terça-feira, as exposições introdutórias pugnaram igualmente pela legitimidade dos prémios pagos no estrangeiro e insistiram na ignorância dos seus clientes quanto a qualquer crime que tenha eventualmente sido praticado por terceiros.
"Já não é o Ricardo Salgado do BES"
A mira está, direta ou indiretamente, apontada a Ricardo Salgado, cuja defesa reiterou esta terça-feira, a abrir as exposições introdutórias dos mandatários dos arguidos que "o único e singelo facto que está em condições de provar" é que o ex-banqueiro sofre de Alzheimer e tal impede que seja julgado.
"O arguido que esteve aqui sentado hoje [de manhã] já não é o Ricardo Salgado do BES", insistiu Adriano Squilacce, sem deixar de recuperar o momento em que o arguido não percebeu o que a juíza-presidente lhe perguntara ao questioná-lo se aceitaria ser julgado sem estar presente na sala de audiências. "Como poderá então compreender o arguido factos com, citando o Ministério Público, 'graus de sofisticação' como os que estão aqui em causa?", questionou o causídico.
Adriano Squilacce criticou ainda o facto de, nas suas exposições introdutórias, a procuradora Carla Dias não ter abordado a doença de Alzheimer do ex-presidente do BES. "O facto de formalmente se ter tornado num tema tabu coloca-nos numa situação em que este processo colocará Portuga para ser condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos", conclui o mandatário.
O julgamento prossegue na quarta-feira, com as exposições introdutórias dos defensores dos restantes arguidos. O processo conta atualmente com 18 arguidos, incluindo três entidades coletivas, dos quais 15 foram já identificados esta terça-feira. Optaram todos por, para já, ninguém prestar declarações.
Apesar disso, a previsão é de que, à tarde, comecem a ser reproduzidas declarações de Ricardo Salgado prestadas, perante um juiz de instrução, numa fase anterior do processo.