Primo de Salgado relata "desespero" há mais de uma década com GES à beira do colapso
José Maria Ricciardi recordou esta quinta-feira, no julgamento do caso BES, reuniões da cúpula do Grupo Espírito Santo ocorridas há mais de uma década, com a mira apontada a Ricardo Salgado.
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O ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES) Investimento e primo de Ricardo Salgado, José Maria Ricciardi, relatou esta quinta-feira, no Tribunal Criminal de Lisboa, que o ambiente na cúpula do Grupo Espírito Santo (GES) era de “desespero” quando, de 2013 para 2014, se tornou claro o elevado nível de endividamento da Espírito Santo International (ESI), destinada ao controlo do GES. O grupo acabaria por implodir no verão seguinte.
De acordo com a acusação do Ministério Público , a ESI estava falida desde 2009, tendo as suas contas sido falsificadas ao longo dos anos, com o conhecimento de Ricardo Salgado, para mascarar a real situação da holding. Esta é considerada central no esquema que terá sido montado pelo ex-banqueiro para, em seu benefício e de outros arguidos, delapidar o BES e os clientes deste.
“A narrativa não era de que havia falsificação, era de que tinha havido uma má consolidação das contas [da ESI]”, recordou, ontem, José Maria Ricciardi, então membro, tal como Ricardo Salgado, do Conselho Superior do GES, no qual era decidida a estratégia do grupo. Nesse contexto, Ricardo Salgado terá pedido no final de 2013 aos membros da Espírito Santo Control – detentora da ESI e participada pelos cinco ramos da família – que aumentassem o capital daquele sociedade.
“O meu pai contribuiu e perdeu tudo, eu bem lhe disse para não contribuir”, lamentou no julgamento, na condição de testemunha, José Maria Ricciardi, que, em 2013, tentou afastar o primo do grupo.
"Ativos em África"
Três meses mais tarde, o então presidente do BES voltou, conforme atestam as atas das reuniões do Conselho Superior do GES, à carga sugerindo que se pedisse dinheiro a “outras pessoas excecionalmente recomendáveis”. A hipótese seguinte foi investir em Angola, onde o banco estava implantado.
“O Dr. Salgado, a partir de certa altura, começou a dizer que se conseguia encontrar uns ativos em África, [...] que iam acabar por equilibrar com o passivo que se tinha acabado de descobrir”, contou o antigo líder do BES Investimento, num depoimento em que por diversas vezes ressalvou que há informação sobre o que ocorreu no GES que só ficou a saber bastante posteriormente.
Entre os dados de que, na altura, José Maria Ricciardi não se apercebeu está o facto de ter recebido, em 2012 e 2013, um total de 237 mil euros provenientes de uma subsidiária da ESI nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal.
“O meu pai [António Ricciardi, falecido em 2022] resolveu dividir um prémio anual que ele tinha comigo, durante esses dois anos. Era um prémio que não me dizia respeito. [... ] Pensei que o dinheiro vinha da conta do meu pai. Pelos vistos, não veio”, explicou José Maria Ricciardi, sublinhando que declarou o valor ao Fisco. O depoimento prossegue na sexta-feira.
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Salgado “sabia tudo”
A manhã de ontem foi dedicada à reprodução da inquirição, em 2015, do antigo presidente do Conselho de Administração do GES. “Ricardo Salgado, de facto, era o único de nós que sabia tudo [o que se passava no grupo]”, afirmou então António Ricciardi, falecido em 2022 e pai de José Maria Ricciardi.
Dezoito arguidos
O julgamento iniciado na passada terça-feira conta atualmente com 18 arguidos, incluindo três empresas. Só Ricardo Salgado responde por cerca de 60 crimes, entre os quais associação criminosa, corrupção no setor privado e manipulação de mercado. Os restantes arguidos individuais são ex-quadros do BES ou de entidades da esfera do GES.
Quase 1700 vítimas
Pelos menos 1698 lesados do BES têm estatuto de vítima no atual processo. O instrumento jurídico pode agilizar o eventual pagamento de indemnizações caso o atual julgamento culmine em condenações.
Doença tem marcado
O processo principal da queda do BES/GES tem ficado marcado pela doença de Alzheimer de Ricardo Salgado. Esta quinta-feira, José Maria Ricciardi escusou-se, à saída do tribunal, a tomar uma posição sobre se o primo deve ou não ser julgado.