Procuradora alvo de processo disciplinar pede para se defender em audiência pública
A procuradora-geral adjunta Maria José Fernandes vai requerer uma audiência pública para exercer a sua defesa no processo disciplinar que lhe foi instaurado, na quarta-feira, por ter assinado um artigo no jornal Público que critica o estado atual do Ministério Público.
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A generalidade dos processos disciplinares são tramitados em segredo pela secção disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), que não divulga os seus contornos e a identidade dos arguidos nem mesmo depois da decisão final, mas Maria José Fernandes vai invocar o artigo 259.º do Estatuto do Ministério Público, que lhe permite "requerer a realização de audiência pública para apresentação da sua defesa".
A magistrada entende que a procuradora-geral da República, Lucília Gago, que preside à secção disciplinar do conselho, não poderá indeferir o seu pedido. "Se o arguido requer a publicidade da audiência, é porque está a prescindir a confidencialidade", sustenta, ao JN, tendo em conta que o segredo do processo disciplinar foi previsto pelo legislador para defender os interesses do arguido.
O artigo 248º do Estatuto do Ministério Público diz que "o procedimento disciplinar é de natureza confidencial até à decisão final", mas "sem prejuízo do disposto no artigo 259.º".
Não magistrados votaram contra
A publicação do artigo "Ministério Público: como chegámos aqui?", 12 dias depois de a Operação Influencer provocar a demissão do Governo, levou a procuradora-geral da República a determinar, em novembro, a instauração de um "processo especial de averiguação" para "aferir da relevância disciplinar da conduta" de Maria José Fernandes.
Foi essa averiguação que, na última quarta-feira, 10 de janeiro, foi convertida em processo disciplinar, numa decisão da secção disciplinar do CSMP que teve sete votos favoráveis, todos dos membros que são magistrados do MP, incluindo Lucília Gago. Também mereceu três votos contra, de membros não magistrados, que foram indicados pela Assembleia da República. Um quarto membro da secção que não é magistrado - ocupa o lugar por indicação da ministra da Justiça - pediu para não participar na decisão por trabalhar na Morais Leitão, sociedade de advogados a que pertencem dois arguidos da Operação Influencer.
O processo disciplinar vai ser agora instruído pelo inspetor José Pinto de Sousa Coelho, um procurador-geral adjunto com mais antiguidade do que Maria José Fernandes e que trabalha a partir do Porto, tal como a arguida.
Artigo atacou "prima donnas"
"Tenho a consciência tranquila de que não violei nenhum dever estatutário e não retiro nada do que escrevi, sejam quais forem as consequências", comentou, ao JN, a magistrada Maria José Fernandes, em novembro. A averiguação disciplinar foi instaurada na sequência de uma queixa do diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, Francisco Narciso, onde está pendente o inquérito conhecido por Operação Influencer.
O Estatuto do MP determina que "os magistrados do Ministério Público não podem fazer declarações ou comentários públicos sobre quaisquer processos judiciais, salvo, quando autorizados pelo procurador-geral da República, para defesa da honra ou para a realização de outro interesse legítimo".
O artigo de Maria José Fernandes - que foi publicado a 19 de novembro, 12 dias depois de o DCIAP fazer buscas na Operação Influencer e levar António Costa anunciar a sua demissão do cargo de primeiro-ministro - não refere explicitamente o nome dado ao inquérito-crime.
No entanto, foi no contexto da "monumental crise política" causada pela Operação Influencer que Maria José Fernandes fez ali um apanhado histórico do MP, em que sugeriu que este se afastou da sua matriz, enquanto "corpo hierarquizado piramidal", e se transformou numa magistratura propícia à existência de "algumas prima donnas intocáveis e inamovíveis e onde a "falta de meios", de peritos disto e daquilo é sempre a velha razão para os passos de tartaruga a que se movem as investigações".