Proprietários de prédio que explodiu em Alfama acusam empresas de “total insensibilidade”
Sete anos depois de um prédio explodir, em Alfama, Lisboa, devido a uma rotura na conduta de gás, os proprietários e inquilinos que ficaram com as suas casas completamente destruídas começaram a ser ouvidos, esta quinta-feira, no tribunal, em Lisboa.
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Além dos prejuízos, avaliados em mais de dois milhões de euros, os lesados garantem que a sua qualidade de vida "agravou muito" e exigem à Lisboagás, E-Redes, CME e Fidelidade o pagamento de uma indemnização de 1,7 milhões de euros. Alguns acusam as empresas de “total insensibilidade”.
A vida de Cassiano Martins e da mulher, que tinham duas lojas arrendadas no prédio que explodiu e ardeu, restando hoje só a fachada, na Rua dos Remédios, em agosto de 2017, mudou radicalmente após perderem os rendimentos provenientes destes dois espaços. “Eu e o meu marido passámos fome”, afirmou Maria Martins no Tribunal Central Cível de Lisboa. Com depressão crónica e fibromialgia, uma das proprietárias do espaço referiu ainda que teve de abdicar de alguns medicamentos “mais caros” e que as patologias pioraram. “Antes disto acontecer, ia passar férias ao estrangeiro e nunca mais fui, nunca mais tive alegria”, declarou também o marido, que na altura recebia uma reforma de 639 euros, entretanto atualizada, e a mulher não trabalhava.
Sofia Cordeiro estava a uma semana de vender o apartamento, já com contrato-promessa compra e venda, quando perdeu tudo. “Desde então, são muitas noites perdidas, é um grande desgaste. Muitas vezes duvidamos da possibilidade de ter o prédio reconstruído, é um peso permanente, são raros os dias em que não pensamos no assunto”, lamentou a proprietária, que queria engravidar, na altura com 41 anos, plano que acabou por - e já não conseguirá - concretizar devido às dificuldades financeiras que sentiu após o incidente.
Pedro Abrantes, que era proprietário de um andar, disse à juíza que já gastou "as poupanças todas” a pagar prestações ao banco de duas casas, a que ardeu e onde vive atualmente, e, por isso, a sua qualidade de vida, da mulher e dos filhos, “agravou muito”. Pedro Abrantes lamentou ainda “a total insensibilidade destas empresas”. “Num período longo de meses, não conseguia fechar a conta do gás, que ia aumentando, porque a Lisboagás dizia que não conseguia aceder ao prédio para fazer a contagem”, contou.
Os proprietários e inquilinos acreditam que a fuga de gás é da responsabilidade da LisboaGás, da EDP Distribuição e da CME - Construção e Manutenção Electromecânica, mas as empresas querem provar que não tiveram culpa no sinistro, atribuindo a responsabilidade a uma obra de requalificação feita naquela rua um ano e meio antes da explosão.
Em tribunal, os moradores relataram ainda que, em março daquele ano, já tinham visto fumo vindo de uma conduta subterrânea da LisboaGás, localizada a pouco mais de 20 metros do prédio. “Cheirava muito a queimado e a gás e saia fumo preto da caixa do chão. Na altura, o meu vizinho chamou os bombeiros e fiquei descansada”, afirmou Sofia Cordeiro.
As perícias feitas pelos técnicos que estiveram no local neste mês de março e no próprio dia da tragédia mostram que a explosão, seguida de incêndio, se deveu a uma fuga de gás nesta mesma conduta. O tubo de gás foi perfurado e queimado por um cabo elétrico da EDP que estaria solto, o que poderá explicar o cheiro a queimado sentido pelos moradores meio ano antes da explosão. O ramal da conduta de gás continua pela rua na direção do prédio e o gás terá ficado acumulado num dos pisos. Cassiano Martins garantiu em tribunal que assistiu às peritagens e que viu “o tubo do gás com um buraco bastante significativo”. Segundo os proprietários, dois meses antes, em junho, a EDP foi mudar esta caixa, mas os técnicos não se terão apercebido do cabo solto.
No dia da explosão, os moradores asseguram que sentiram um cheiro “muito intenso” a gás logo de manhã, tendo chamado os bombeiros ao local, mas as autoridades - e a EDP, a CME e a LisboaGás que chegaram depois e ali permaneceram várias horas durante a tarde - terão desvalorizado. À hora de almoço, um bombeiro terá dito a Líbia Florentino, uma das inquilinas, que "era seguro” voltar para casa, informação que terá confirmado com um técnico da EDP. Líbia e Álvaro Filho, também inquilino na altura, disseram em tribunal que “confiaram nas autoridades”, mas não voltaram a casa por não se sentirem seguros. Poucas horas depois, ao final da tarde, o prédio explodiu.
Os lesados, 20 pessoas, entre as quais seis crianças, interpuseram uma ação judicial contra as empresas em janeiro de 2019 para que se apurem responsabilidades e serem ressarcidos pelos danos causados, mas o processo atrasou e só começou a ser julgado esta quinta-feira. Pedem uma indemnização de 1,7 milhões de euros a dividir por todos, inquilinos e proprietários. O edifício tinha duas lojas no rés-do-chão e ainda quatro apartamentos, dois deles em regime de Alojamento Local, onde estavam hospedados dois alemães que ficaram gravemente feridos, um deles em coma induzido. O valor da reconstrução do prédio, segundo avaliações feitas por empresas a pedido dos lesados, tem subido nos últimos anos, estando agora avaliado em um milhão e 600 mil euros.