Psicóloga esgota recursos e vai presa cinco anos por deixar pai à fome e ao abandono
A psicóloga da Figueira da Foz que deixou o pai idoso ao abandono durante três anos, sem cuidados médicos, de higiene ou alimentação, e se apropriou de mais de 27 mil euros das suas pensões de velhice vai mesmo cumprir cinco anos de prisão, após ter esgotado todos os recursos judiciais que tinha à sua disposição.
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A arguida havia recorrido do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (que, após recurso do Ministério Público, revogou a suspensão daquela pena) para o Supremo Tribunal de Justiça e para o Tribunal Constitucional. Mas as decisões destes dois tribunais, proferidas a 5 de dezembro de 2024 e 4 de fevereiro de 2025, respetivamente, tornaram a condenação da arguida definitiva.
No caso do Supremo Tribunal de Justiça, o recurso não foi admitido, por ser irrecorrível a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra. Já o Tribunal Constitucional julgou o recurso improcedente.
Personalidade "deformada, cruel e sem qualquer empatia"
O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra falava numa "enorme ilicitude e uma personalidade deformada, cruel e sem qualquer empatia pelo próximo" da arguida, revelando que o idoso, pela idade avançada e doenças incapacitantes de que padecia (incluindo demência) estava totalmente "dependente do auxílio de terceiros", o que era do conhecimento da sua única filha.
Mesmo assim, a psicóloga deixou de o visitar e nem sequer lhe telefonava desde a morte da mãe, em abril de 2020, até ao dia 30 de março de 2023, data em que faleceu, ainda decorria o julgamento da filha.
O retrato traçado pelos juízes desembargadores José Eduardo Martins, Paulo Guerra e Cristina Pêgo Branco revela os três anos de absoluto horror e abandono nos quais o idoso viveu, pois a arguida não o acompanhava a consultas médicas, não o alimentava, não cuidava da sua higiene pessoal, da limpeza da habitação, lavagem da roupa, e não lhe pagava as contas da água, da eletricidade e do gás a partir de certa altura.
Isto apesar de, como notou a Relação, a arguida "ter passado a usar em exclusivo proveito próprio as quantias de 320,68 euros e de 390,53 euros mensalmente depositados a título de pensões recebidas pelo ofendido".
O abastecimento de água chegou a ser cortado por falta de pagamento e, em duas ocasiões, o idoso também ficou sem gás.
Nuna pagou a instituição pelo almoço dado ao pai
A psicóloga não só não cuidava do pai, como não providenciou a contratação de uma instituição que prestasse os apoios de que ele necessitava, "recusando o pagamento de tais serviços, recusando a intervenção de qualquer entidade de apoio social", apesar de ter sido contactada diversas vezes por técnicas do Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social e nunca pagou os 180 euros mensais cobrados por uma instituição pela refeição diária (almoço) que lhe forneciam.
Acresce que o apartamento onde o idoso residia havia sido doado à arguida, em 1997, "com a reserva de usufruto a favor dos doadores, a extinguir-se, no todo, à morte do último dos doadores, ficando imposta à arguida, enquanto donatária, a obrigação de tratar convenientemente os seus pais, a eles proporcionando tudo quanto necessário fosse à respetiva subsistência, designadamente habitação, alimentação e vestuário e, sendo disso caso, assistência hospitalar, médica e medicamentosa, tendo os doadores a faculdade de resolver a doação se a donatária não cumprisse a dita obrigação a ela imposta".
Em primeira instância a arguida fora condenada a uma pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução, mas o Ministério Público (MP), inconformado com a decisão, decidiu recorrer.
Defendeu o MP que "são crimes que se revestem de censurabilidade, acrescida por atentarem contra valores absolutamente fundamentais de coesão familiar, de solidariedade e respeito aos mais velhos, de dignificação da sua condição e da sua não discriminação em função da sua idade ou condição física e psíquica", considerando que "são valores constitucionais inspiradores dos direitos humanos fundamentais e do Estado de Direito Democrático em que vivemos".
E o Tribunal da Relação acolheu o recurso, salientando que a arguida é "uma pessoa – letrada - que nem sequer assume os atos que praticou e muito menos revela qualquer capacidade de autocrítica (o que desde logo levanta dúvidas sobre a capacidade de a decretada suspensão ter úteis efeitos)". E tornou efetiva a pena de cinco anos de prisão.