O Conselho Superior da Magistratura julgou 472 processos disciplinares contra magistrados judiciais de 2005 a 2019. Três dezenas foram afastados dos tribunais e 187 pagaram multa.
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O discurso dominante parece atribuir aos juízes um estatuto de impunidade que lhes permite fazer o que querem, como querem, apesar de os media irem dando conta de alguns processos disciplinares, como sucedeu esta semana, sobre o juiz de Odemira que mandou as pessoas presentes num julgamento tirarem as máscaras da covid-19. Contudo, os relatórios do Conselho Superior da Magistratura (CSM) mostram que, de 2005 a 2019, foram julgados 472 processos disciplinares contra juízes, numa média de 31 por ano, tendo sido aplicadas 476 penas. E, em 33 casos, os magistrados foram mesmo corridos dos tribunais.
O relatório de atividades de 2020 ainda não foi entregue à Assembleia da República e o CSM não adiantou ao JN os resultados da sua ação disciplinar no ano passado. Mas, somando o número médio de 32 processos por ano aos referidos 472 e admitindo que só um número residual de juízes foi processado mais do que uma vez desde 2004, conclui-se, sem grande margem de erro, que perto de meio milhar de juízes teve o seu órgão disciplinar à perna no espaço de 15 ou 16 anos, numa corporação que tem à volta de dois mil profissionais em atividade. E naquele meio milhar não se incluem os juízes que foram alvo de averiguações ou inquéritos disciplinares que, por falta de indícios de infração, não chegam a ser convertidos em processo disciplinar.
Conselho corporativo?
"É um número significativo e importante. Desmente a ideia de que o Conselho é laxista e corporativo", comenta o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Manuel Soares. Dos 472 processos julgados entre 2005 e 2019, cerca de 83% terminaram com a condenação dos juízes (17% foram arquivados) em pelo menos uma pena disciplinar (as de multa e transferência são acumuláveis).
As penas mais graves, demissão e aposentação compulsiva, foram aplicadas em três dezenas de casos (ver infografia), por infrações muito graves, como sucedeu, em 2019, com os desembargadores Rui Rangel e Fátima Galante, pelo seu envolvimento em processos de corrupção em que venderam sentenças.
O tipo de pena mais aplicado foi o de multa, em 187 casos (quase 40%). Manuel Soares comenta que costumam ser "multas pesadas", mas nota que as penas de suspensão - foram 51, nos 15 anos referidos - também têm impacto financeiro significativo, porque os juízes ficam sem receber salário. Um mês de suspensão equivale, grosso modo, a cerca de quatro mil euros, ilustra o dirigente sindical.
O segundo tipo de multa mais aplicado foi o de advertência, registadas ou não registada: 111. O líder sindical Manuel Soares diz que tais penas não têm um custo financeiro imediato para os magistrados, mas prejudicam a sua progressão na carreiras.
Rangel e Luís Filipe Vieira apontados em documento dos EUA
O Departamento de Estado dos EUA divulgou um relatório sobre Portugal e os Direitos Humanos em 2020, onde destaca o processo de corrupção conhecido como Operação Lex. O documento do Departamento de Estado identifica três arguidos daquele processo, a começar por Rui Rangel, o desembargador que o Conselho Superior da Magistratura, de forma inédita, demitiu, em 2019, ainda antes de haver acusação criminal. São ainda identificados Luís Vaz das Neves, ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, e Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica.
Infrações
Não aguentam ritmo
O líder sindical dos juízes, Manuel Soares, diz que a maioria das penas disciplinares pune casos de "inadaptação grave ao serviço", que resultam em atrasos nos processos. "São juízes que não conseguem aguentar o ritmo", diz.
Má educação
Manuel Soares, que já integrou o órgão disciplinar, diz que também há muitas penas por "comportamentos excessivos na sala de audiência", com os juízes a maltratarem utentes e funcionários.
Poucos crimes
O líder sindical diz que os processos disciplinares derivados de crimes dos juízes são raros.