Rasgou pescoço da mulher à dentada e deu-lhe 49 facadas após 17 anos de maus-tratos
Ex-segurança do Aeroporto de Lisboa foi acusado do primeiro homicídio conjugal conhecido este ano. Vítima foi maltratada ao longo de todo o casamento, mas, por medo do marido, ciumento, não saiu de casa.
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A ira que sentiu ao ver a Alcinda C. pedir socorro, após 17 anos de violência doméstica e de controlo absoluto sobre a sua vida, levou Pedro A., de 45 anos, a atacar a mulher, em casa, com uma violência atroz. Rasgou o pescoço da vítima à dentada, asfixiou-a e esfaqueou-a 49 vezes.
Este foi o primeiro crime de homicídio em contexto de violência doméstica conhecido este ano e um dos sete casos registados no primeiro trimestre, segundo a contabilidade divulgada ontem pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género.
Teve lugar no Barreiro, na noite de 8 de janeiro, e o agressor, que trabalhava como segurança no Aeroporto de Lisboa, foi agora acusado de violência doméstica e homicídio qualificado. Também vai responder por violência doméstica contra a filha da vítima mortal, sua enteada, que o arguido terá importunado sexualmente ao longo de anos.
A acusação do Ministério Público, deduzida com base na investigação realizada pela Polícia Judiciária de Setúbal, traça um cenário de violência doméstica com mais de 17 anos, que começou quando o casal, proveniente de Cabo Verde, se casou e foi viver para a cidade do Barreiro.
“Desde o início do matrimónio que Pedro A. era uma pessoa ciumenta, possessiva, agressiva, controladora, não gostando de ser contrariado”, pode ler-se no despacho de acusação, a que o JN teve acesso. O homem proibia a vítima de contactar a própria família e os amigos, impondo-lhe limitações, inclusive, no convívio com os filhos de ambos, que, à data dos factos, tinham seis e 14 anos. O telemóvel da mulher, de 45 anos, era controlado de perto pelo marido.
A discussão fatal
O casal residia no centro do Barreiro com os dois filhos e ainda uma filha de Alcinda que era enteada do agressor. Em 2018, a enteada, ao fazer 15 anos, passou a ser importunada sexualmente pelo padrasto, que a apalpou várias vezes, diz a acusação. Nessa altura, chegou mesmo a dizer à jovem que, para poderem ficar juntos, era capaz de matar a mãe e os meninos. Quando a enteada fez 21 anos e arranjou um namorado, terá causado bastantes ciúmes ao agressor, levando-o a agredir a mãe. A jovem, por temer pela própria vida, acabou por sair de casa em 2022.
O casamento entre Alcinda Cruz e Pedro Antiqua sempre foi marcado por agressões e insultos do homem, que também ameaçava de morte a companheira e os filhos de ambos, caso ela o deixasse. Tais ameaças levaram a que a vítima nunca abandonasse o agressor.
No dia 8 de janeiro, perto das 22.30 horas, após uma discussão sobre quem pagava a explicação do filho mais velho, Alcinda C. foi agredida e Pedro Antiqua saiu de casa, dizendo que se ia matar. Mas o agressor voltou e viu a mulher a telefonar à filha. Nesse momento, dirigiu-se à cozinha, pegou numa faca e numa tesoura e atacou a mulher.
O filho mais velho mandou o irmão mais novo esconder-se no quarto, debaixo da cama, e tentou afastar o pai da mãe, mas acabou por fugir, perante o homicídio. O pai asfixiou a mãe e deu-lhe uma violenta dentada no pescoço, levando a sangrar abundantemente. De seguida, com a faca e a tesoura, desferiu 49 golpes no pescoço, face e peito da vítima.
O homicida fugiu de casa, deixando o filho mais novo escondido debaixo da cama e o mais velho em casa de vizinhos, para onde fugiu. Viria a entregar-se à PSP, quando já era procurado, e foi detido pela Polícia Judiciária. Está em prisão preventiva.
Ano abriu com mais denúncias e condenações mas menos mortes
As participações à polícia de violência doméstica aumentaram no primeiro trimestre deste ano, com 7056 casos, face aos primeiros três meses do ano passado (6879). Qualquer pessoa pode denunciar um crime de violência doméstica – não apenas as vítimas – e por se tratar de crime de natureza pública será sempre investigado pelas autoridades.
Os últimos dados da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) sobre a violência doméstica foram publicados ontem e, na comparação do primeiro trimestre deste ano com o período homólogo de 2024, apontam para um aumento de todos os indicadores avaliados, exceto o dos homicídios. Neste ponto, regista a morte de seis mulheres e um homem de janeiro a março deste ano, contra oito mulheres e um homem em 2024.
Mais prisão efetiva
Os dados da CIG, serviço da administração direta do Estado, mostram um aumento das condenações pelos tribunais em prisões efetivas em processos de violência doméstica, de mil para 1026, bem como da aplicação de prisão preventiva, no momento da detenção dos ainda suspeitos, de 326 casos para 359.
As condenações podem implicar a frequência de programas de sensibilização para a problemática da violência doméstica e, aqui, houve 2530 casos no primeiro trimestre de 2024 e 2909 no corrente ano.
Há ainda inquéritos que, mediante o arrependimento do arguido, falta de antecedentes ou outras circunstâncias que façam crer que este não reincidirá no crime, terminam não com despacho de acusação, mas com a suspensão provisória de processo, com o acordo das vítimas. No primeiro trimestre de 2024, houve 1824 casos; no deste ano, 1903.
O acolhimento das vítimas de violência nas chamadas casas-abrigo também aumentou, de 1329 para 1421.