O Ministério Público recuperou numa leiloeira em Paris quatro obras de arte da coleção do ex-banqueiro João Rendeiro, com um valor estimado de 678 mil euros, incluindo a obra "Os Cães de Barcelona", de Paula Rego.
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Em comunicado, o Ministério Público (MP) adiantou que, no âmbito do inquérito do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) contra João Rendeiro e a sua mulher Maria de Jesus Rendeiro, "instaurado por descaminho de bens apreendidos, pelo MP e pela Polícia Judiciária (PJ), na sequência de pedido de cooperação judiciária internacional expedido às autoridades francesas, foram recuperadas em Paris, nas instalações de leiloeira" quatro obras de arte.
Entre as obras - três quadros e uma composição/fotografia - está "Os Cães de Barcelona", uma obra de Paula Rego, com um valor estimado de 416 mil euros e que chegou a ser alvo de pedidos de classificação junto da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC).
Um desses pedidos, apresentado pelo filho da pintora em 2022, obteve como resposta que a DGPC estava legalmente impedida de iniciar um processo de classificação, por impossibilidade de notificar o proprietário e por ser desconhecido, à data, o paradeiro da obra.
Foram ainda recuperados os quadros "O Cavaleiro", de Amadeo de Souza Cardoso, com um valor estimado de 178 mil euros, e "Dichter E", de Karel Appel, com um valor estimado de 48 mil euros e a composição fotográfica "Momento I", de Juan Munoz, avaliada em 36 mil euros.
No total, as quatro obras agora recuperadas têm um valor estimado de 678 mil euros.
"Os Cães de Barcelona", pintado em 1964, inspira-se num acontecimento ocorrido em Espanha, durante o regime político de Franco, mas a historiadora de arte Raquel Henriques Silva, que em 2021 apresentou um pedido fundamentado de classificação da obra, defendeu que o quadro, do início do percurso artístico de Paula Rego, "remete para a situação política em Portugal".
Na altura, a artista teve conhecimento por notícias publicadas nos jornais, no Reino Unido, da morte de centenas de pessoas devido ao facto de as autoridades de Barcelona, de modo a erradicarem cães vadios, terem espalhado carne envenenada nas ruas, numa altura em que a fome era uma realidade generalizada.
"Os Cães de Barcelona" foi exibido pela primeira vez em 1964, numa exposição no London Group, uma associação de artistas que apresentava na altura obras de figuras como David Hockney, Frank Auerbach e Michael Andrews, e exibida em Portugal pela primeira vez, no ano seguinte, na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa.
O quadro faz parte de um conjunto de obras que se encontram desaparecidas da coleção pessoal de arte de João Rendeiro, o ex-banqueiro encontrado morto a 13 de maio de 2022, numa prisão da África do Sul, e que tem a mulher declarada fiel depositária pelas autoridades portuguesas.
Em dezembro de 2024, a PJ anunciou ter recuperado até então nove obras de arte descaminhadas pelo antigo banqueiro pertencentes à sua coleção pessoal e arrestadas pelo MP no âmbito do processo em que João Rendeiro e outros administradores do Banco Privado Português (BPP) foram condenados por crimes económico-financeiros que levaram à falência do banco e deixaram milhares de clientes lesados.
Em dezembro de 2024 foram recuperadas três peças: "Quadro sem título" de Robert Longo (vendida em março de 2021 por 91,5 mil euros); um banco em mármore branco intitulado "Selections from Truisms: A Lot of Professional", da artista Jenny Holzer (cerca de 150 mil euros) e um banco em mármore preto, "Nothing Will Stop You", da artista Jenny Holzer (135 mil euros).
"Em setembro de 2024, já havia sido repatriado do quadro "Rzochow" do artista Frank Stella, ilicitamente vendido em outubro de 2021", por 70 mil euros, e que estava em Nova Iorque.
Em janeiro de 2022, foi repatriado o quadro "Piaski", do artista plástico Frank Stella, que tinha sido ilicitamente vendido em março de 2021, por cerca de 110 mil euros, que se encontrava na Bélgica.
Em Portugal, em 2021, já haviam sido recuperadas outras obras, como os quadros "Seraglio II" (Julião Sarmento), "Dias Quase Tranquilos" (Helena Almeida), "Lag-72" (Frank Nitsche) e "Quadro sem título" (Pedro Calapez).
Foram também arrestados outros bens que pertenciam de modo direto ou indireto a João Rendeiro e à sua mulher, como um apartamento (1,15 milhões de euros), um veículo de alta cilindrada (50 mil euros), saldos bancários em Portugal e no estrangeiro no valor de 514 mil euros.
No final do ano passado a PJ afirmava em comunicado que no âmbito deste caso já foram "arrestados ou apreendidos bens e valores no valor de cerca de 70 milhões de euros".