Seis pessoas são suspeitas de se terem aproveitado das dificuldades financeiras das vítimas parar lucrar milhares. Estão acusadas de usura.
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Nove famílias ficaram sem a casa depois de a terem dado como garantia para obter um empréstimo de uma entidade que, durante anos, concedeu crédito em Portugal sem estar habilitada para o fazer. Outros oito ex-clientes da White Finance conseguiram manter a habitação, mas acabaram, feitas as contas, por pagar bastante mais do que receberam no total.
Agora, a proprietária da sociedade por trás daquela marca e mais cinco pessoas foram acusadas pelo Ministério Público (MP) de usura. Os crimes terão ocorrido até 2017 e fizeram vítimas em Oliveira de Azeméis, Santa Maria da Feira, Pombal, Lisboa, Amadora, Portalegre e Vila Real de Santo António.
Segundo a acusação do MP, consultada pelo JN, os anúncios a publicitar a concessão facilitada de crédito começaram a surgir em jornais e no Google, em 2010. Alguns prometiam crédito a quem tinha "incidentes bancários"; outros iam mais longe e asseguravam "juros baixos" para quem fosse proprietário de um imóvel.
No final, caíram na teia, entre outras pessoas, desempregados, um casal de idosos sem capacidade para custear as despesas de saúde, uma funcionária pública com o poder de compra diminuído e uma herdeira de uma empresa que chegou às suas mãos afogada em dívidas. Um cidadão indiano que queria casar-se no seu país natal e uma mulher que fora burlada em quase 200 mil euros online por um falso pretendente amoroso foram outras das vítimas identificadas.
A maioria não conseguira, por ter rendimentos demasiado baixos e/ou diversos empréstimos por pagar, aceder a crédito bancário. Os montantes pedidos à White Finance terão ido, segundo a acusação, dos mil aos 40 mil euros.
esquema rendeu milhares
Ao contactarem aquela entidade, os interessados seriam informados de que só poderiam obter o empréstimo se dessem a sua casa como garantia na modalidade de "sale and leaseback". Esta é, em teoria, uma transação em que o proprietário vende o imóvel, continua a ocupá-lo como arrendatário e sabe que o poderá recomprar.
Só que, na prática, a compra por uma sociedade da proprietária da White Finance ou outra entidade envolvida no esquema seria apenas uma fachada, uma vez que, aquando da formalização do negócio, os vendedores receberiam apenas o valor do empréstimo e não o que acabara de ser inscrito na escritura ou contrato.
Depois, iam saldando o crédito através do pagamento de uma renda ao comprador ou de um sinal mensal. No fim do prazo, podiam, por fim, readquirir a habitação, mas a um preço superior ao do empréstimo. Num dos casos, os arguidos terão lucrado 40 500 euros com um crédito de 10 mil euros.
O negócio seria ainda mais rentável quando as vítimas não conseguiam pagar a "renda" nem recomprar a casa. Como esta estava já em nome de algum dos arguidos, estes podiam então vendê-la no mercado livre, ganhando centenas de milhares de euros.
Dos seis arguidos, duas mulheres estão ligadas à White Finance e um homem à principal sociedade "compradora" das habitações. Os restantes terão tido participações esporádicas no esquema.
Supervisão
Alerta do Banco de Portugal chegou demasiado tarde
Em maio de 2016, o Banco de Portugal alertou, numa nota, que duas das pessoas agora acusadas e as suas sociedades não estavam habilitadas, "atuando em seu próprio nome, em nome de terceiros e/ou sob a marca White Finance", a conceder crédito em Portugal. Mas, nessa altura, já a maioria das 17 vítimas agora identificadas tinham pedido um empréstimo àquela entidade e dado a casa como garantia. Destas, uma conseguiu que os contratos fossem anulados. Outras duas aguardam um desfecho, e uma quarta foi autorizada pelo senhorio a permanecer na habitação. Contactada pelo JN, a advogada da proprietária da White Finance informou não querer falar publicamente sobre o caso.
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Prisão ou multa
Caso o crime de usura seja provado no julgamento, os arguidos podem ser condenados a pena de multa ou de prisão que pode chegar aos cinco anos, eventualmente suspensa. Atualmente, estão livres.
Vítimas frágeis
Os suspeitos serão julgados por terem explorado a fragilidade das vítimas para as convencer a aceitar um empréstimo cujas contraprestações sabiam ser "manifestamente desproporcionadas". Algumas, desesperadas para pagar as contas, tinham perdido familiares pouco antes.
Não houve burla
O MP alega que se trata de usura e não burla, porque as vítimas não foram "induzidas em erro" ao aceitarem os termos do empréstimo.