O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu esta terça-feira afastar do julgamento do caso EDP a juíza-adjunta que foi casada com um alto quadro do Grupo Espírito Santo (GES), aceitando o pedido de escusa de Margarida Ramos Natário.
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Fonte ligada ao processo adiantou à Lusa que os desembargadores Manuel Advínculo Sequeira, Luísa Alvoeiro e João Ferreira deram provimento ao incidente de escusa suscitado pela juíza antes de uma audiência do julgamento que se centra nas suspeitas de corrupção do ex-ministro da Economia Manuel Pinho pelo antigo presidente do GES, Ricardo Salgado.
O incidente de escusa foi anunciado pela magistrada em 23 de outubro, na sequência de notícias de que tinha sido casada com António Miguel Natário Rio Tinto, que desempenhou diferentes cargos em diversas entidades do GES - como a ES TECH Ventures SGPS e a Espírito Santo Informática -, e que este teria recebido 1,2 milhões de euros através da sociedade ES Enterprises, considerado o 'saco azul' do GES.
"Ainda que não se duvide do juízo prévio efetuado pela Exma. Juíza sobre a correspondente imparcialidade, as atuais circunstâncias, objetivamente ponderadas, são de molde a gerar na comunidade aquela desconfiança, de resto, como a própria muito bem intuiu, daí que tenha solicitado a sua escusa, que, sem necessidade de mais considerandos, cabe conceder. Pelo exposto, acordam em conceder escusa", referiram os juízes na decisão a que a Lusa teve, entretanto, acesso.
Na última semana, horas antes de Margarida Ramos Natário ter anunciado em tribunal o incidente de escusa, tinha também sido conhecido um pedido pelas defesas dos arguidos Manuel Pinho e Alexandra Pinho para a juíza avaliar a sua imparcialidade para julgar o Caso EDP e que revelava as verbas recebidas pelo seu ex-marido através do "saco azul" do GES. No entanto, a magistrada sublinhou que o fazia somente por "respeito à justiça".
"Farei por uma questão de respeito à justiça e à função de juiz, não que considere que tenha mudado muita coisa. Perante as notícias que têm saído, acho que se impõe que suscite de modo próprio o incidente de escusa e que a Relação decida. Fá-lo-ei, não porque considere que algo mudou", afirmou então Margarida Ramos Natário.
De seguida, a presidente do coletivo de juízes, Ana Paula Rosa, esclareceu que o processo tinha "natureza urgente" e que, por isso, os trabalhos do tribunal iriam prosseguir. Entretanto, desde que o pedido de escusa deu entrada na Relação de Lisboa já se realizaram mais três sessões do julgamento.
Defesas de Manuel Pinho e Alexandra Pinho saúdam afastamento de juíza
As defesas de Manuel Pinho e Alexandra Pinho saudaram a decisão de hoje da Relação de Lisboa de afastar do julgamento do Caso EDP a juíza que foi casada com um alto quadro do Grupo Espírito Santo (GES).
"É uma decisão acertada, que salvaguarda a posição dos arguidos e de todos os sujeitos processuais, incluindo da magistrada visada. Garante um processo equitativo", disse à Lusa o advogado Ricardo Sá Fernandes, que representa neste processo o antigo ministro da Economia.
O advogado Manuel Magalhães e Silva, mandatário de Alexandra Pinho, considerou que se trata de "uma decisão que preserva a imagem de independência dos tribunais e que, nesse sentido, é claramente positiva".
Sobre as três sessões de julgamento realizadas desde que foi apresentado o pedido de escusa por Margarida Ramos Natário, Magalhães e Silva deixou em aberto todos os cenários: "Quanto à validade dos atos praticados depois do incidente de escusa, vai ser necessário ponderar em que medida é adequado manter a sua validade ou repeti-los".
Contactado pela Lusa, o advogado Francisco Proença de Carvalho, que tem a seu cargo a defesa do ex-presidente do GES, Ricardo Salgado, não quis fazer comentários à decisão da Relação.
Questionado sobre esta situação, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) remeteu as decisões para o Juízo Central Criminal de Lisboa, onde decorre o julgamento.
"Foi determinado que os autos fossem remetidos de imediato à primeira instância, devendo ser aí que se retirarão as consequências deste deferimento, com a substituição do juiz adjunto, nos termos legais. Todas estas decisões serão tomadas pelo Tribunal de primeira instância onde corre o processo, não havendo intervenção do Conselho Superior da Magistratura", referiu.
Quando foi apresentado o incidente de escusa, a presidente do coletivo de juízes, Ana Paula Rosa, esclareceu que o processo tinha "natureza urgente" e que, por isso, os trabalhos do tribunal iriam prosseguir. O advogado do ex-governante, Ricardo Sá Fernandes, vincou nessa sessão que, se a Relação viesse a validar o pedido de escusa, os trabalhos já realizados no julgamento até ao pedido de escusa não deviam ser anulados.
Manuel Pinho, em prisão domiciliária desde dezembro de 2021, é acusado de corrupção passiva para ato ilícito, corrupção passiva, branqueamento e fraude fiscal.
A sua mulher, Alexandra Pinho, está a ser julgada por branqueamento e fraude fiscal - em coautoria material com o marido -, enquanto o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, responde por corrupção ativa para ato ilícito, corrupção ativa e branqueamento.