O Tribunal da Relação de Évora confirmou a pena de cinco anos de prisão, suspensa, aplicada a uma cozinheira que extorquiu à dona do restaurante onde trabalhara quase 60 mil euros, para manter segredo sobre um feitiço que fizera ao marido da patroa para ele não a deixar.
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O caso aconteceu entre 2009 e 2010, mas o processo só agora chegou ao fim com a decisão da Relação. A vítima, uma empresária da restauração, temia que o marido, também dono do estabelecimento, terminasse o relacionamento, pois o casamento atravessava uma fase difícil. Fragilizada emocionalmente, desabafou com a cozinheira e esta prontificou-se logo a ajudá-la, pois conhecia quem fizesse um "feitiço" que "amarrava" o marido e cujo resultado seria infalível.
Pagou 250 euros por um pó branco e colocou-o na comida do companheiro. Mas o feitiço não surtiu o efeito prometido. Foi já no final de setembro de 2009, quando já não trabalhava para a vítima, que a cozinheira ameaçou contar ao marido que ela lhe tinha misturado a substância na comida e começou a exigir-lhe dinheiro.
Receosa da reação do marido, a empresária começou, em outubro, a entregar-lhe elevadas quantias após telefonemas intimidatórios. Em cerca de dois meses e meio, fez 31 transferências no valor de 59 591 euros. Foi quando ficou depauperada, já em meados de janeiro do ano seguinte, que a vítima resolveu contar ao companheiro o que se passava e parou de pagar.
Disse que eram empréstimos
A arguida foi condenada em 2013 no Tribunal de Setúbal na pena de cinco anos de prisão, suspensa, por um crime de extorsão agravada. Ficou ainda obrigada a devolver os 59 591 euros extorquidos. O acórdão deu como provado que seguiu um "plano previamente delineado e com o propósito de se apropriar de quantias monetárias de que a ofendida fosse titular". No entanto, a arguida recorreu da decisão, alegando, entre outras coisas, que os pagamentos efetuados pela patroa tinham sido feitos a título de empréstimo.
Dez anos depois do acórdão, os desembargadores de Évora não tiveram dúvidas de que "não se alcança, nem a recorrente demonstra, que relacionamento tão estreito e forte entre elas existia que levasse [a vítima] a, de livre e espontânea vontade, "emprestar-lhe" quantias monetárias no montante global de 59 591 euros".
Já sobre o facto igualmente apelado de que "qualquer pessoa média negar-se-ia a fornecer dinheiro a terceiro com um argumento tão infantil e sem qualquer fundamento", os juízes Artur Vargues, Nuno Garcia e António Condesso notaram que "seria assim, se estivéssemos a avaliar no campo da racionalidade e não no domínio mais profundo da mente que se prende com as crenças populares sobre o paranormal."
Os desembargadores tiveram ainda em conta o facto de a arguida não ter comparecido em nenhuma das audiências de julgamento, mesmo após terem sido emitidos mandados de detenção.
PORMENORES
Entre 500 e 7500 euros
Entre 22 de setembro de 2009 e 8 de janeiro de 2010, a vítima transferiu para a conta da ex-cozinheira montantes que oscilaram entre os 500 e os 7500 euros. Foram 31 transferências no total, perfazendo 59 591 euros.
Feitiço de efeito demorado
Em agosto de 2009, quando a dona do restaurante protestou por o feitiço não estar a a produzir qualquer efeito no marido, a arguida disse-lhe para esperar pois os resultados demoravam. Nessa altura, começou a pedir adiantamentos ao salário que foram descontados no fim dos mês.