Salgado tentou usar Durão, Cavaco e Governo para pressionar Caixa e Banco de Portugal
Banqueiro reuniu com todos para anular proibição do regulador e convencer a Caixa a meter 2,5 mil milhões na Rioforte.
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Não foi uma, mas duas vezes, que o Governo de Passos Coelho deu negas a "cunhas" de Ricardo Salgado desde que o descalabro do BES e do Grupo Espírito Santo começou a desenhar-se, em meados de fevereiro de 2014, quando o Banco de Portugal proibiu a venda a clientes do BES de papel comercial da Rioforte ou de outras entidades da área não financeira do Grupo.
A acusação do Ministério Público (MP) descreve como, até ao fim de agosto e à resolução do banco, o homem que ficou conhecido com o "Dono Disto Tudo", bateu desesperadamente a todas as portas à procura de dinheiro ou de influência política para o obter, incluindo também às do presidente da República, Cavaco Silva, e de Durão Barroso, à época presidente da Comissão Europeia.
A ordem do Banco de Portugal (BdP), datada de 14 de fevereiro, destruía o núcleo da trama montada por Salgado para financiar o buraco financeiro do grupo através da sua "holding de topo" a Espírito Santo International (ESI) usando, entre outras formas fraudulentas, a venda aos balcões do BES do papel comercial da Rioforte.
A ESI estava insolvente "pelo menos desde 2009", constata o MP na acusação que imputa a Salgado e a outros 24 administradores e funcionários de topo do grupo e empresas crimes de associação criminosa, corrupção, burla, branqueamento de capitais, manipulação de mercado e infidelidade. A falência era mascarada através da falsificação das contas declaradas que terá também servido para o pagamento de recompensas de milhões a elementos do Grupo, colaboradores e amigos.
Banco de Portugal resiste
De frente para um beco sem saída, Ricardo Salgado e o seu núcleo mais restrito (Manuel Fernando e José Manuel Espírito Santo, Amílcar Pires e José Castella) decidem, numa primeira fase (em março e abril de 2014), ganhar tempo e apelar repetidas vezes ao BdP no sentido de este mudar a sua decisão de proibir a colocação de papel comercial. O governador, Carlos Costa, recusou.
Refere a acusação que, "paralelamente, insatisfeitos com as determinações do BdP, os arguidos decidiram lançar uma série de iniciativas junto de decisores políticos (...)". A ofensiva viria a acontecer "entre a última semana do mês de março e a primeira de abril de 2014". Foi o próprio Ricardo Salgado a solicitar audiências e a reunir-se "em 29.03.2014 com o vice-primeiro-ministro Paulo Portas; em 31.03.2014 com o presidente da República Aníbal Cavaco Silva; em 07.04.2014 com o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho; e, no dia seguinte, com a ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque".
A Cavaco Silva e a Passos Coelho Salgado entregou mesmo uma das cartas que enviara a Carlos Costa, carta que "Pedro Passos Coelho, após a sua leitura, lhe devolveu", refere o MP que, na acusação nada revela sobre o conteúdo das reuniões, referindo apenas "não terem logrado a alteração da determinação do BdP". A desconfiança deixa claro que já eram muitas as suspeitas do descalabro que estava para chegar.
Reembolsos em risco
A 29 de março, descreve ainda o documento, internamente Salgado e a cúpula do Grupo já tinham sido alertados, por escrito, para a "preocupação" com o "cumprimento atempado do reembolso das emissões da ESI, e agora também da Rioforte, colocadas nos clientes de retalho do BES, atendendo à exigência do calendário de vencimentos (quer em montantes, quer em prazos), e, por outro lado, a grande incerteza quanto às operações previstas para obtenção dos fundos para lhes fazer face".
A 11 de abril, ainda segundo o MP, era já o próprio Ricardo Salgado quem admitia que a ESI era uma sociedade "falida" e, "em finais" desse mês, "a situação de rutura do financiamento do GES era já perspetivada" por Salgado e por José Manuel e Manuel Fernando Espírito Santo.
2,5 mil milhões da CGD
Salgado volta então a apostar na sua força junto do poder político para evitar o desastre e aposta num financiamento de 2,5 mil milhões de euros pela Caixa Geral de Depósitos à Rioforte.
Juntamente com José Manuel Espírito Santo, apurou a investigação, "entre os dias 2 e 20.05.2014, em audiências que solicitaram, tentaram influenciar, sem sucesso, Carlos Moedas, secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro do XIX Governo Constitucional, Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro do mesmo Governo, Maria Luís Albuquerque, ministra das Finanças do mesmo Governo, e até Durão Barroso, então presidente da Comissão Europeia, para que movessem influências que facilitassem a concessão pela CGD de financiamento de, pelo menos, 2,5 mil milhões de euros à Rioforte".
Gorada esta solução e "quando era iminente o colapso do GES", os três, segundo o MP, continuaram a sua fuga para a frente e "(...) determinaram a colocação adicional de 630 milhões de euros de dívida, dos quais ficaram por reembolsar, gerando prejuízo de igual valor nos seus tomadores, 546 milhões de euros". Nos primeiros dias de junho "a Rioforte ficou sem liquidez quer para reembolsar a dívida por si emitida que se vencia".
O final triste deste episódio da história é conhecido. Nove dias depois de Cavaco Silva ter dito "os portugueses podem confiar" no BES e elogiado a atuação do Banco de Portugal, a 30 de julho, o Banco Espírito Santo comunicou à Comissão do Mercados de Valores Imobiliários (CMVM) prejuízos de 3,5 mil milhões de euros no primeiro semestre de 2014.
A resolução do banco foi decretada a 3 de agosto, deixando cerca de três mil lesados e quase 12 mil milhões de prejuízos no Grupo Espírito Santo, segundo os cálculos do Ministério Público.