Supremo Tribunal considerou que burlas não eram o modo de vida da arguida, reduziu pena para cinco anos de prisão e suspendeu-a.
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A sexagenária dizia que era enviada de Jesus e tinha poderes curativos. Foi assim que convenceu três idosas do Fundão a pagarem-lhe dezenas de milhares de euros por objetos banais, rezas e "trabalhos". Foi condenada por três crimes de burla e um de furto.
Em primeira instância, à mulher tinham sido atribuídos cinco anos de prisão, com a pena suspensa. O Ministério Público (MP) recorreu e o Tribunal da Relação de Coimbra considerou que como ela fazia das burlas o seu modo de vida os três ilícitos eram qualificados. Subiu a pena para seis anos e três meses e tornou-a efetiva.
Novo recurso, desta vez para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que decidiu rebaixar a pena para cinco anos e voltou a suspendê-la. "Nem o número de crimes de burla, nem os valores envolvidos, só por si, permitem retirar a conclusão de que a arguida fazia da burla modo de vida", explicaram os juízes conselheiros no acórdão emitido a 13 de janeiro deste ano.
Os crimes ocorreram entre 2016 e 2017 na zona do Fundão. No primeiro caso, a arguida, hoje com 68 anos, apresentou-se a uma mulher de 74 como tendo sido enviada por Jesus para curar o seu marido doente. Ao longo de meses, vendeu-lhe objetos comuns, supostamente benzidos, e cobrou dinheiro por missas e "trabalhos" em benefício do marido. Ao todo, apropriou-se de pelo menos 52 900 euros.
A segunda vítima foi uma mulher de 78 anos. A burlona bateu-lhe à porta e disse-lhe também que Jesus a tinha enviado para a curar. Passou a ir lá quase semanalmente para vender objetos "benzidos". Após já ter entregado 3400 euros, a idosa ainda contraiu um empréstimo de cinco mil euros para continuar a pagar pelos "trabalhos". A mulher exigiu mais três mil euros e a idosa contou tudo à GNR. Os militares montaram uma emboscada e a burlona foi intercetada com o marido e o filho.
Pedia joias para benzer
A terceira burla ocorre já em fevereiro de 2017. A burlona e o companheiro abordaram um casal de octogenários. Após ganhar a sua confiança, convenceram a idosa a entregar a aliança e os brincos de ouro, alegadamente para os benzer. Semanas depois regressaram, desta vez, com o filho. Enquanto este simulava dar voz de prisão à vítima, a burlona apropriou-se de um envelope de dinheiro e fugiu.
A mulher acabou detida pela Polícia Judiciária e condenada pelo Tribunal de Fundão em maio de 2020. A Relação considerou que, atendendo aos reduzidos rendimentos lícitos do casal, pelo menos no ano de 2016, a arguida fez das burlas o seu modo de vida. Porém, para o STJ, não ficou provado onde foram gastas as quantias obtidas com as burlas.
O acórdão reconhece que o dinheiro arrecadado com a primeira burla "é globalmente elevado", daí ser qualificado. Todavia, mesmo sendo um valor muito superior aos rendimentos declarados do agregado, não se pode deduzir que tais vantagens ilícitas fossem necessários à sua vida. Assim, só uma das burlas foi agravada. Tendo em conta a idade da vítima e o facto de ser primária, o STJ reduziu a pena para cinco anos e suspendeu-a por acreditar que "é viável conseguir a ressocialização da arguida em liberdade".
Números
57,9 mil euros foram declarados como perdidos a favor do Estado, devendo a arguida ainda efetuar o respetivo pagamento. O Ministério Público havia pedido 80 820 euros, mas o Tribunal considerou que a vantagem obtida com os crimes fora menor.
Recurso
Não era profissional
No recurso para o STJ, a arguida garantiu que não era "burlona profissional" para sustentar a sua vida com o crime. Dos factos dados como provados, apenas era possível aferir um caráter habitual na sua conduta, limitando-se esta a um número muito reduzido de vítimas.
Tinha empréstimo
A arguida explicou que vivia há mais de 50 anos com o companheiro e, ainda que parcos, o agregado declarava rendimentos lícitos. Aliás, o casal até conseguira contrair um empréstimo bancário para comprar casa.