Recluso está a meio de processo para mudar de sexo feminino para masculino. Colocado na cadeia especial de Évora tem medo de ser violado.
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Paulo (nome fictício) nasceu Paula e está a meio de um processo físico de mudança de género. Se na vida em sociedade a transição já não seria simples, para esta pessoa, de 27 anos, tudo está mais complexo. É que Paulo está em prisão preventiva. Apesar de já ter uma aparência de homem, foi primeiro colocado numa cadeia de mulheres, seguiu para o Hospital Prisional de Caxias e foi esta semana transferido para Évora, onde só há homens. O problema é que Paulo mantém o órgão genital feminino. Tem receio das discriminações e de ser molestado sexualmente por outros reclusos.
É caso único em Portugal e o JN sabe que a Direção-Geral dos Serviços Prisionais está a tentar manter todas as precauções para preservar o bem-estar e integridade física do recluso.
O processo de mudança de sexo começou em setembro de 2017, quando Paulo, residente no Grande Porto, estava em liberdade. Ainda com aspeto e voz de mulher, passou a ser seguido nos hospitais de S. João e Magalhães Lemos.
De acordo com fontes próximas do recluso, passou a tomar hormonas masculinas e até iniciou o processo de mudança física, com uma operação plástica para retirar os seios.
Mudança de nome
Mas, em junho de 2019, foi colocado em prisão preventiva à ordem de um processo em que era suspeito de tráfico de droga. Seguiu para a ala feminina da cadeia de Santa Cruz do Bispo, Matosinhos. Já tinha mudado o nome, mas ainda não tinha aspeto totalmente masculino. Ainda assim, já terá provocado alvoroço entre as reclusas.
Até que, cinco meses depois, foi enviado para prisão domiciliária, que cumpriu sem sobressaltos. Foi condenado, mas apresentou recurso e passou a estar em liberdade.
Só que uma outra investigação, também por tráfico de droga, levou-o a ser novamente detido há quatro meses. Foi colocado em Santa Cruz do Bispo, mas desta vez a aparência já não permitiu lá ficar muito tempo. Com as hormonas, Paulo já tinha barba, voz e musculatura masculina. O alvoroço já era demasiado entre as reclusas. Em apenas 15 dias, foi transferido para o Hospital-Prisão S. João de Deus (Caxias).
"Teve alta de lá há dois meses, mas foi ficando em regime especial para evitar contacto com outros reclusas ou reclusos. Na segunda-feira, foi transferido para a cadeia de Évora. Ou seja, pela primeira vez na história há um recluso, com corpo de mulher, numa cadeia masculina", disse ao JN, Carlos Macanjo, advogado do preso, para quem "o sistema prisional tem de criar infraestruturas próprias para este tipo de reclusos, dotadas de meios especiais, para diminuir riscos de agressão".
Pormenores
Na cela onde estava Sócrates
No dia em que chegou a Évora, Paulo disse à família que foi colocado na mesma cela onde José Sócrates esteve em prisão preventiva. Questionada pelo JN sobre o porquê de enviar Paulo para uma cadeia masculina, a Direção Geral de Serviços Prisionais respondeu não partilhar "publicamente da afetação de reclusos, nem fala de casos concretos e identificáveis".
O que é?
De acordo com publicações de medicina, a disforia de género caracteriza-se por identificação forte e persistente com o género oposto associada a ansiedade, depressão, irritabilidade e muitas vezes a um desejo de viver como um género diferente do sexo do nascimento.
Quantas pessoas estão nessa situação?
Embora não haja números precisos, de acordo com as mesmas publicações, estima-se que entre 0,005 a 0,014% dos homens com o sexo em que nasceram e 0,002 a 0,003% das mulheres com o sexo em que nasceram preenchem os critérios diagnósticos para disforia de género.
Operações?
As cirurgias de reatribuição sexual são legais em Portugal desde 1995. No Serviço Nacional de Saúde, são atualmente realizadas nos centros hospitalares de Coimbra e de São João, no Porto.
Travestis
O sistema prisional está confrontado com problemas semelhantes em relação aos travestis, que já fizeram, por exemplo, operações para colocar seios. São homens, mas com parte do corpo de mulher. Habitualmente, são colocados em cadeias masculinas.
Processo do Porto
A família de Paulo critica a decisão de o terem colocado numa cadeia situada a 400 quilómetros de casa, no Grande Porto. Queixa-se também de não ter sido avisada da transferência a tempo de poder ter dado roupa de inverno ao familiar.