Sobrinho gastou 20 milhões do BES Angola num iate, 16 relógios e cinco canetas
Acusação diz que, em meio ano, o banqueiro angolano deixou 2,5 milhões de euros na Boutique dos Relógios. Embarcação de luxo foi registada nas Ilhas Virgens Britânicas e custou 17,5 milhões de euros.
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Em menos de um ano, Álvaro Sobrinho gastou mais de 20 milhões de euros num iate, 16 relógios e cinco canetas. Segundo a acusação do Ministério Público (MP), o ex-banqueiro terá usado parte das centenas de milhões de euros desviadas do Banco Espírito Santo de Angola (BESA) para comprar artigos de luxo, incluindo um relógio de 665 mil euros. Por um sumptuoso iate de 35 metros, batizado "Kuikila" ("Acreditar", no idioma quimbundo), pagou 17,5 milhões de euros.
Escolhido por Ricardo Salgado para presidir ao BESA, o angolano Álvaro Sobrinho, hoje com 60 anos, esteve no cargo entre 2001 e 2012. As mais de 800 páginas da acusação do "processo BESA" passam a pente fino os últimos anos do seu mandato e desfiam um novelo de transferências milionárias e aquisições extravagantes. Vai responder por 18 crimes de abuso de confiança e cinco de branqueamento de capitais, todos na forma agravada.
Neste processo, autonomizado do processo principal do universo BES/GES, além de Álvaro Sobrinho foram acusados os ex-administradores Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires, Rui Silveira e Hélder Bataglia. No total, o MP estima que o BESA tenha sido alvo de um desfalque de cerca de seis mil milhões de euros.
Luxuoso iate de 35 metros
A acusação regista que, a 25 de fevereiro de 2011, Sobrinho mandou transferir dois milhões do BESA para uma conta da Grunberg, firma por si controlada nas Ilhas Virgens Britânicas. No mesmo dia, os milhões foram parar à empresa italiana Pershing. Seriam parte do pagamento de um iate "Pershing 115", comprado por 17,5 milhões e entregue em 2011.
Em 2020, no Twitter, o hacker Rui Pinto identificou a embarcação como sendo o iate "Kuikila", registado nas Ilhas Virgens Britânicas, mas ancorado em Luanda. Tem 35 metros de comprimento e acomoda oito passageiros e cinco tripulantes. De acordo com a publicação "Boat International", há apenas dez iguais em todos o Mundo. Na semana passada, Rui Pinto, que confessou ser a fonte dos "Luanda Leaks", revelou que Sobrinho ainda terá duas outras embarcações no seu património: o "Kizola" (Amor), um Pershing 92; e o "Muebu" (Sobrinho), cuja última localização conhecida é a ilha espanhola de Ibiza.
Cliente ultra VIP
Em poucos meses, Álvaro Sobrinho gastou 2,5 milhões de euros na Boutique dos Relógios Plus. Comprou 16 relógios, cinco canetas e um conjunto de pendente e anel com diamante. O MP refere que, em regra, o banqueiro deslocava-se às lojas de Cascais e de Lisboa. Porém, dado o seu estatuto ultra VIP, o próprio administrador da Boutique dos Relógios, Abraão Kolinski, ia a Luanda para lhe mostrar pessoalmente os artigos mais exclusivos. E fazia-lhe um desconto de 10%.
Dos opulentos relógios comprados, destacam-se um Blancpain Grande Complication 1735, em platina, por 665 mil euros e um Greubel Forsey, modelo Quadruple Turbilhão OR, de 401 mil euros. Há ainda um conjunto Grisogono de pendente e anel em ouro branco com diamantes de 22 mil euros e três canetas em prata Breguet por 3475 euros. Ao todo, diz a acusação, entre outubro de 2010 e maio de 2011, saíram 2,55 milhões de euros das contas do BESA, no BES em Lisboa, para pagar artigos de relojoaria e joalharia.
Administradores esconderam buraco do BESA
O buraco do BESA terá sido uma das principais razões para o precipitar do colapso do Banco Espírito Santo. Porém, para o MP, Álvaro Sobrinho é apenas um dos responsáveis. A acusação considera que, entre outubro de 2013 e julho de 2014, ou seja, já após a saída de Sobrinho, os administradores Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires e Rui Silveira ocultaram deliberadamente a situação degradada do BESA para permitir que o BES continuasse a financiá-lo. No final de 2014, o BES encontrava-se exposto ao BESA no montante de 4,7 mil milhões de euros.
Processos
Universo BES
No processo principal do Universo BES, há 25 arguidos acusados de associação criminosa, corrupção, falsificação de documentos, infidelidade, manipulação de mercado, branqueamento e burla qualificada. Geraram prejuízos de quase 12 mil milhões.
BESA
A atividade do BES em Angola foi alvo de processo autónomo.
Aumento de capital
O processo que investiga o aumento de capital do BES em junho de 2014 resultou na acusação de quatro ex-administradores e uma colaboradora por manipulação de mercado e burla qualificada.
Destino de verbas desviadas do BESA
douro e Tâmega - Comprou duas quintas por 11,4 milhões num ano
Em menos de um ano, entre 2010 e 2011, o líder do BESA, Álvaro Sobrinho, comprou duas quintas: a Casa de Quintã, no Marco de Canaveses; e a Quinta da Foz do Pinhão, em Sabrosa. Pagou 11,4 milhões de euros por ambas, mas só ficaria com uma.
Após comprar a Casa de Quintã, pagou obras de quase um milhão de euros para recuperar o impressionante solar do século XVIII. Porém, em 2015, o tribunal anulou o negócio, dando razão a um casal de agricultores que havia invocado o direito de preferência sobre o imóvel.
A acusação elenca duas transferências, no valor de seis milhões de euros, para pagar o imóvel e o recheio da casa. Todavia, o imóvel acabaria escriturado por apenas 2,5 milhões. Assim, após a anulação, houve apenas a devolução de 2,5 milhões de euros. Não há rasto dos restantes 3,5 milhões, alegadamente pagos pelo recheio, nem dos 980 mil euros pagos pelas obras.
Quanto à Quinta da Foz do Pinhão, o preço ajustado por Sobrinho com o vendedor foi de 5,4 milhões de euros. No entanto, a propriedade também acabaria por ser escriturada por um valor bem inferior: 2,670 milhões de euros.
estoril-sol - Escondeu casas de luxo na esfera dos filhos
A 2 de setembro de 2010, Álvaro Sobrinho comprou por 9,5 milhões de euros seis frações no luxuoso prédio Estoril-Sol Residence, em Cascais. Segundo a acusação, grande parte da verba que pagou esta aquisição saiu indevidamente de contas do BESA.
Logo em 2011, o negócio foi assinalado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários como suspeito de branqueamento de capitais e o tribunal determinou o arresto dos imóveis. Sobrinho recorreu e a Relação de Lisboa levantou o arresto. Para evitar que as propriedades que sabia ter obtido ilegalmente ficassem de novo sob a mira da justiça, Sobrinho decidiu doá-las aos filhos.
Assim, nos meses seguintes, ainda antes de saber a decisão do recurso interposto pelo MP, escriturou a doação de quatro daquelas frações aos seus dois descendentes.
A acusação assinala que Álvaro Sobrinho agiu daquele modo apenas para evitar a perda dos bens numa possível reação judicial aos crimes que sabia ter cometido e que, inclusive, lhe possibilitaram adquirir as propriedades em causa.
Sporting - Desviou 15 milhões para ajudar clube
Em 2011, o Sporting Clube de Portugal enfrentava dificuldades em obter crédito. O então presidente, Luís Godinho, e o dirigente José Maria Ricciardi recorreram a Álvaro Sobrinho para encontrar uma solução "que permitisse, num curto espaço de tempo" e sem financiamento formal, dar-lhe os meios financeiros de que precisava para a atividade futebolística, nomeadamente, comprar jogadores e pagar salários.
O banqueiro, sportinguista ferrenho, acedeu aos pedidos e usou fundos de contas do BESA, domiciliadas no BES em Lisboa, para injetar 15 milhões de euros na esfera do clube, o que lhe mereceu uma SMS de gratidão de José Maria Ricciardi.