Sócrates acusou a juíza-presidente de querer humilhá-lo publicamente para salvar a face do Ministério Público.
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A parte do julgamento que todos esperavam não arrancou. Só na próxima terça-feira é que José Sócrates irá, na barra do Tribunal de Lisboa, responder às provas reunidas pelo Ministério Público (MP). Requerimentos e pedidos de nulidade da defesa do ex-primeiro-ministro, além de exposições introdutórias dos restantes advogados, preencheram o primeiro dia na sala de audiência. Mas, à porta do tribunal, Sócrates voltou a jurar inocência e a acusar a Justiça de ser parcial e querer humilhá-lo.
“Acho que a senhora juíza está a fazer o que o sistema judicial quer que se faça, que é a humilhação pública de alguém, para salvar a face do MP. Em 2021, o juiz Ivo Rosa considerou que não havia indícios para me levar a julgamento” afirmou ontem à tarde José Sócrates, fazendo tábua rasa de a decisão do mesmo juiz de instrução remeter para julgamento tanto ele como o amigo Carlos Santos Silva por três crimes de branqueamento e três de falsificação de documentos. Recorde-se que, recentemente, o Tribunal Central de Instrução Criminal remeteu este miniprocesso da Operação Marquês para julgamento, mas ele ficará de fora do processo principal.
Nas mesmas declarações aos jornalistas no final da audiência, Sócrates disse estar a passar por uma sessão de “déjà vu”: “O que se passou aqui é exatamente aquilo que se passou em três anos de instrução”, afirmou. “Vamos discutir as mesmas coisas, que já foram desmentidas. Vale do Lobo, a PT, as casas da Venezuela, tudo isso foi provado que é falso. Quando o senhor procurador-geral da República diz ‘vamos-lhe dar uma oportunidade para provar a sua inocência’, ele deveria saber que já provei a minha inocência na instrução. A conclusão, em 6080 páginas do juiz Ivo Rosa, é que todas as acusações são fantasiosas, incongruentes e especulativas.”
Luvas de 34 milhões
Já de manhã, o principal arguido da Operação Marquês acusado de ter usado o amigo Carlos Santos Silva como testa de ferro para esconder cerca de 34 milhões de euros em luvas, alegadamente provenientes do BES, do Grupo Lena e dos promotores do empreendimento Vale do Lobo (Algarve), afirmou estar a “batalhar para que este julgamento não exista”.
Quando questionado sobre o motivo que o levou a pedir ao atual presidente do Conselho Europeu, António Costa, para vir prestar declarações ao tribunal, Sócrates revelou: “Foi ele que me apresentou Manuel Pinho. Não foi Ricardo Salgado nenhum. Lamento que o doutor António Costa estivesse calado durante todos estes anos sobre essa verdade”. Para o MP, foi o ex-homem forte do BES quem influenciou Sócrates para nomear Pinho como governante.
Em alegações introdutórias, Pedro Delille, advogado do ex-primeiro-ministro, disse que o processo foi já julgado “fora dos tribunais”, criticando a cobertura jornalística do processo da Operação Marquês. Ainda assim, afirmou: “Estamos em julgamento e vamos ter a oportunidade de provar que os factos imputados pelo Ministério Público são falsos e vamos demonstrar a inocência do engenheiro José Sócrates”.
O procurador do MP abriu a fase das exposições introdutórias com breves palavras: “Estamos vinculados a uma peça acusatória com despacho de pronúncia. Bater-nos-emos para dar como provados os factos da acusação. Daremos o nosso melhor para que se faça justiça”, disse o procurador Rómulo Mateus.
Entre a dezena de advogados que fez declarações iniciais, Francisco Proença de Carvalho, defensor de Ricardo Salgado, justificou a ausência do antigo partão do BES com a doença de Alzheimer e afirmou que o seu cliente não tem condições para ser julgado.