No início do interrogatório de José Sócrates, no Tribunal que julga o caso da Operação Marquês, o ex-primeiro-ministro fez questão de começar a rebater a parte da acusação em que lhe é imputada uma alegada manipulação da OPA da PT, efetuada pela Sonae.
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"Irei abordar todas as questões do Processo Marquês", começou por afirmar José Sócrates, que continuou: "as questões que me dizem respeito, ocupam quase toda a acusação", disse. "Por isso, quis começar a minha defesa por um tema: Portugal Telecom".
"A acusação que me é dirigida quanto à OPA da Sonae é uma dupla acusação. É uma acusação de manipulação direta, quanto aos interesses da Sonae e a outra tem a ver com o uso da golden share da PT", alegou José Sócrates, que afirmou não existir prova da manipulação do Governo no chumbo da OPA da PT por parte da Sonae.
"Como é que alguém que diz que um político recebeu dinheiro para manipular a OPA da Sonae na PT”, perguntou Sócrates, que respondeu a si próprio: “não existem e por isso vou defender a minha inocência. Eu vou apresentar prova que esta acusação é falsa".
Recorde-se que José Sócrates é acusado de ter articulado com Ricardo Salgado, a troco de luvas, uma estratégia para chumbar a OPA da Sonae. Esse chumbo, segundo a acusação, servia os interesses do BES, que era então liderado por Ricardo Salgado, também arguido na Operação Marquês.
O ex-primeiro-ministro garantiu que Caixa Geral Depósito, controlada pelo Estado e que votou contra a OPA, reuniu o seu conselho de administração. "Não foi uma decisão pessoal. Estava Carlos Santos Ferreira [presidente] e restantes administradores, assegurou Sócrates. “Este conjunto de pessoas discutiu e decidiu votar contra a OPA da Sonae. A Caixa mandou fazer uma avaliação e fez a sua própria avaliação. Considerou o que inicialmente foi oferecido não era suficiente. A Caixa é um investidor de longo prazo e considerou que a estratégia apresentada pela PT era a que mais valor apresentaria”, afirmou Sócrates.
O ex-primeiro-ministro que garantiu ao tribunal ter-se mantido sempre neutro nesta questão perguntou: "será que todos os membros do CA foram instruídos, por mim em particular, para votar contra esta OPA?”, questionou Sócrates, que sublinhou que vários membros do CA da CGD não era do Partido Socialista.
O ex-primeiro-ministro assegurou ainda que a pergunta foi feita a todos os administradores da PT: “Todos eles, sem exceção, responderam não”, garantiu Sócrates. “Nenhum deles recebeu contactos do governo ou qualquer sugestão do governo para votar contra”.
O principal arguido leu depoimentos de testemunhas que foram ouvidas ou em comissão parlamentar de inquérito ou em fase de instrução, mas a juíza-presidente interrompeu o depoimento do ex-primeiro-ministro para lhe explicar que o arguido não tinha necessidade de ler depoimentos: "estão no processo", explicou Susana Seco.
Sócrates atirou-se à juíza: "é a segunda vez que me interrompe senhora juíza", levando a magistrada a afirmar: "o senhor José Sócrates está a extremar a forma como os trabalhos estão a ser conduzidos”.
O depoimento continuou com Sócrates a voltar ao tema da OPA da PT, explicando que o único administrador que tentou influenciar o desfecho da negociação foi Paulo Azevedo, administrador da Sonae.
"Ligou-me uns dias antes para ver se eu conseguia que a CGA votasse a favor da OPA", afirmou Sócrates.
A continuação do interrogatório manteve-se no tema PT, mas passou para outro ângulo: a imputação do Ministério Público que Salgado acordou com Sócrates defender, de forma geral os interesses do BES, que era um dos grandes acionistas da PT.
Neste caso, o MP “mentiu e tem consciência que mentiu”, garante Sócrates, que citou números. Em 2004, as cotas de mercado da PT eram mais altas de que em 2011, quando deixou de ser primeiro-ministro.
"O que o meu governo fez foi desenvolver uma política séria de combate ao monopólio que a PT tinha. E fizemos várias ações para combater esse monopólio. Simplificamos a portabilidade, por exemplo. Não faz nenhum sentido afirmar que defendemos os interesses da PT", garantiu Sócrates.
A juíza-presidente perguntou ao arguido se as decisões do governo têm influência sobre as ações da PT, ao que Sócrates respondeu afirmativamente: "por tinha capacidade de vigilância".
"A desgraça da PT deu-se por causa da governação de Pedro Passos Coelho. Aquele governo podia ter vigilância através da Caixa Geral de Depósitos, mas deixou de ter. Esta acusação do MP serviu para contar uma mentira política: que foi o meu governo que levou a PT à desgraça", afirmou Sócrates, antes do tribunal suspender os trabalhos para uma pausa.