José Sócrates negou, esta terça-feira, em tribunal ter sido próximo de Ricardo Salgado, o ex-patrão do Banco Espírito Santo, acusado de ter pagado luvas ao ex-primeiro-ministro para favorecer os interesses do BES.
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"Nunca fui ao seu gabinete, não tínhamos amigos comuns, nem frequentávamos os mesmos círculos sociais", afirmou o antigo governante, que colocou uma pergunta ao tribunal: "Como é que eu provo que não era amigo de Ricardo Salgado? É prova diabólica, mas digo: não era amigo dele. O doutor Ricardo Salgado apoiou a candidatura de Cavaco Silva, financiou a sua campanha. Toda a gente sabia que estávamos em campos políticos distintos. Portanto, não era meu próximo socialmente, nem meu próximo politicamente. A partir da venda da Vivo, as relações entre o Grupo Espírito Santo e o governo eram de ostensiva hostilidade", afirmou Sócrates.
O principal arguido da Operação Marquês invocou uma escuta telefónica de 30 de julho de 2014 em que, garantiu, Salgado lhe ligou e falam da divergência que tiveram sobre o processo da venda da Vivo. "Essa escuta mostra que houve divergência e que a sanamos com urbanidade”, afirmou.
O procurador do Ministério Público (MP) pediu para que se ouvisse a escuta e Sócrates exaltou-se por ter sido interrompido quando falava ao tribunal. “Não é ele [Sócrates] que dita as regras”, atirou o magistrado ao que o ex-primeiro-ministro retorquiu: “não é ele, é o senhor”, exigiu Sócrates que pediu esse respeito no tratamento.
O tribunal decidiu ouvir todas as escutas telefónicas constantes do processo para confrontar Sócrates com as suas afirmações. Numa primeira interceção, os dois homens falam da situação que o BES enfrentava, com a possibilidade de haver uma intervenção pública no banco. Salgado queixa-se de não ter acesso a financiamento, quer nacional, quer internacional. Sócrates afirma simpatia e diz que Salgado foi sempre um banqueiro muito competente.
Numa outra escuta, de novembro de 2013, Sócrates diz a Salgado que este é um grande banqueiro deste país. E diz que lhe ligou para lhe dar uma palavra de amizade e de admiração.
Na terceira interseção telefónica, Salgado liga por engano a Sócrates. Os dois homens falam de marcar um almoço. Sócrates diz que Salgado tem de se concentrar naquilo que tem de fazer [gerir a queda do banco] e o ex-patrão do BES convida o ex-primeiro-ministro a jantar a sua casa. Sócrates alerta Salgado que tem de ter cuidado com a situação pela qual está a passar. Salgado sugere que, para o jantar, podem convidar uns amigos comuns do Alentejo”.
Na quarta escuta, de outubro de 2014, os dois homens tratam-se por "meu caro amigo" e dão-se um abraço: “Vou estar na sexta-feira com o nosso comum amigo [Proença de Carvalho] e estive com outro amigo seu, o Mário Soares”, diz Sócrates que lamenta a situação de Salgado: "Vejo com amargura o que lhe está a acontecer. Um governo [de Pedro Passos Coelho] dançar em cima da campa de um grande grupo empresarial como o seu, é deplorável”. Sócrates critica o então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, por este ter sido funcionário de uma empresa controlada pelo BES e estar a destratar, através de decisões governamentais, Ricardo Salgado. Deseja coragem a Salgado e manda cumprimentos à esposa do antigo banqueiro. Combinam outro almoço, que ficou pré-agendado.
Na quinta escuta ouvida na sala de audiência, Salgado dá os parabéns a Sócrates por uma condecoração que o ex-primeiro-ministro recebeu em 2014 e voltam a falar de jantar, com amigos comuns.
No final da transmissão das escutas, a juíza-presidente do coletivo, Susana Seca, confrontou Sócrates com as escutas que "demonstram alguma familiaridade, contactos com amigos próximos, com a esposa do bancário, por exemplo".
Sócrates retorquiu que na escuta de abril de 2014, nota-se que ele não tinha o número de telefone de Salgado. "Não tinha o telefone de Salgado, liguei para a secretária dele. Não sabia qual era a morada e o jantar acabou por não aconteceu. Só fui à casa dele para entregar um livro. Desde que saí do Governo, nunca mais falei com Ricardo Salgado", afirmou, reiterando que nunca teve proximidade com o ex-patrão do BES e realçando que houve divergências com Salgado por causa da venda da Vivo.
Mas a juíza lembrou ao principal arguido da Operação Marquês as incongruências que este demonstrou no início do interrogatório quando afirmou que "havia hostilidade" entre ele e Ricardo Salgado, "enquanto nas escutas ouve-se proximidade e amizade".
“O que se ouve é grandeza. Apesar das divergências, queria que ele soubesse que tinha consideração por ele. Isso é grandeza, uma grandeza recíproca”, contrapôs José Sócrates.
Sobre a nomeação de Manuel Pinho, o ex-primeiro-ministro garante só ter conhecido Ricardo Salgado depois de estar no Governo. "Foi António Costa que me apresentou. A ideia de que pus no meu Governo um funcionário de Ricardo Salgado é falsa", garantiu Sócrates.