Juízes do Tribunal da Relação dizem que apresentação de uma denúncia sem fundamento beliscou honra de polícia, que fez queixa-crime contra denunciante.
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Um solicitador cadastrado apresentou uma queixa-crime no DIAP do Porto contra um inspetor da Polícia Judiciária (PJ), em comissão de serviço no Gabinete de Recuperação de Ativos, acusando-o de incompetência, má-fé e atuação fraudulenta, devido a um processo em que acabou condenado por peculato. Mas as alegações foram consideradas falsas e ofensivas à honra e credibilidade do polícia. E agora o denunciante vai ter de cumprir um ano e meio de prisão efetiva, em casa, por denúncia caluniosa, difamação agravada e usurpação de funções. Terá ainda de pagar mil euros ao lesado. A decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto.
Na base deste processo está um inquérito em que o arguido, Adriano F., era suspeito de peculato enquanto exerceu funções de agente de execução em processos executivos para os quais fora designado.
Após a análise ao seu património, o inspetor da PJ Nuno M. concluiu que o solicitador teria obtido mais de 420 mil euros de vantagem criminosa, que o Ministério Público – na acusação que deduziu contra si, imputando-lhe dois crimes de peculato – defendia que fossem declarados perdidos a favor do Estado.
Em outubro de 2020, o arguido foi absolvido desses crimes, mas condenado por peculato de uso, numa pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, condicionado à devolução de dez mil euros.
O Ministério Público recorreu e a Relação do Porto, em maio de 2021, condenou o arguido por peculato a dois anos e três meses de prisão, suspensa, mediante o pagamento de seis mil euros, declarando ainda a perda de 88 161,49 euros para o Estado. O valor é inferior ao que foi pedido pelo MP porque os juízes concluíram que “apesar das aparências, determinado património não era incongruente.”
Honestidade “atacada”
Desagradado, o solicitador apresentou uma queixa-crime contra o inspetor, acusando-o de usar o estatuto de “polícia criminal” para o “incriminar falsamente ao arrepio de qualquer princípio legal e constitucional”.
Tal denúncia deu origem a um inquérito, depois arquivado por se concluir que o polícia “exerceu as suas funções de forma honesta e séria.”
Desta vez, foi o inspetor a apresentar uma queixa contra o solicitador, que acabou condenado por denúncia caluniosa, difamação agravada e usurpação de funções. Uma pena agora confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto.
No acórdão, os juízes sustentaram que “o arguido tinha consciência da falsidade da imputação e pretendia, como reação à exposição dirigida à entidade competente, a instauração de procedimento criminal contra o denunciado”. “Se se pretende atacar um relatório, nos seus números e conclusões, não se vê por que razão atacar a honestidade e probidade profissional do seu autor”, defenderam, concluindo que, “por aquilo que se insinua, é obviamente posta em causa a honestidade do assistente, a sua probidade e honra pessoal e profissional.
Recurso
Reafirma crítica, mas nega ataque a investigador
No recurso – em que pedia a absolvição dos crimes ou, em alternativa, a suspensão da pena, porque estava bem inserido social e profissionalmente e de que a simples censura dos atos seria suficiente – o solicitador alegava que não existiu “qualquer ataque à pessoa do assistente”, mas sim uma “crítica (ainda que mais dura) ao relatório produzido” por este. Negou também que fosse sua intenção fazer com que o inspetor da PJ fosse alvo de um procedimento criminal. “No exercício do direito constitucional à liberdade de expressão [o arguido] fez um juízo de valor. Não pretendeu rebaixar ou humilhar o visado”, justificou. Além disso, a defesa do arguido argumentou que o crime de difamação deveria ser absorvido pelo de denúncia caluniosa, “por se tratar de um concurso aparente de crimes.”
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Sem dormir
O inspetor alegou ter ficado “incomodado e perturbado”, sentindo-se ainda revoltado com a queixa contra si. Diz ter ficado “vários dias” sem dormir e entrado “numa espiral descendente, negativa, que o levou a um estado depressivo com episódios de ansiedade generalizada.”
Vasto cadastro
O arguido já tem cadastro por ofensa à integridade física, desobediência, ameaça agravada, difamação, peculato de uso, usurpação de funções, falsificação de documentos, burla e procuradoria ilícita.