O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) proibiu o uso de habitações para alojamento local (AL) num condomínio de luxo, no Porto, que havia sido considerado legal pelo Tribunal da Relação do Porto, contra a vontade de outros moradores.
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Valeu aos queixosos o facto de o título constitutivo do edifício, que define as regras das áreas comuns e das frações autónomas, já proibir a prestação de serviços nas frações destinadas à habitação. O STJ critica o legislador por ainda não ter resolvido o problema.
O caso começa a 26 de outubro de 2016, quando a assembleia de condóminos do Edifício Douro Foz, no Porto, decidiu vedar o acesso a quem não fosse condómino, residente ou convidado e impedir o AL. Os detentores de três frações usadas para AL contestaram e, em primeira instância, o tribunal manteve a proibição. Porém, após recurso, em janeiro de 2019, a Relação revogou a sentença, permitindo o AL. Novo recurso, agora do gestor do condomínio, e novo volte-face: a 7 de novembro, o STJ anulou o acórdão da Relação e confirmou a proibição.
Os juízes conselheiros frisam que a proibição impõe-se pelo título constitutivo do edifício. Este ato, fixado em escritura no notário, determina o estatuto da propriedade horizontal e tem "natureza real". Integra ainda um regulamento que pode dispor sobre o uso e fruição das frações autónomas e até limitá-los. A sua importância é ainda maior porque só pode ser alterado com o acordo de todos os condóminos. Pelo contrário, as regras aprovadas após a constituição apenas podem dispor sobre o uso das partes comuns e, como tal, não podem proibir o AL .
No caso concreto, o título constitutivo do Douro Foz proibia a instalação de "colégio, pensão ou equivalente", bem como "qualquer atividade comercial ou prestação de serviços nas frações ou nas partes comuns do edifício". E o AL é uma atividade "sucedânea das chamadas pensões ou hospedarias". O STJ frisa também que as normas do título constitutivo "são perfeitamente claras" e restringem o conceito de habitação ao ponto de se poder entender que nem sequer são permitidas exceções. Portanto, o AL cai "indiscutivelmente" na alçada da proibição e, como tal, a sua instalação "é um ato ilícito".
Oportunidade perdida
Os tribunais têm entendimentos diferentes sobre esta questão e, por isso, o acórdão do STJ não poupa o legislador, que "teve oportunidade de pôr termo às dúvidas e controvérsias" aquando da alteração ao regime do AL, em 2018, mas "manifestamente não quis tomar posição expressa". Os conselheiros recordam que os projetos de lei de PS e PCP previam - e o do BE admitia - que a instalação de AL numa fração de habitação fosse condicionada à autorização dos condóminos. "Surpreendentemente", refere o Supremo, a lei aprovada deixou cair essa exigência para o AL, mantendo-a para os hostéis.
Pormenores
Uma noite por 361 euros - Um dos apartamentos em causa ainda continua disponível para alugar no Airbnb. Uma noite no T3 com vista para o rio Douro e para a Ponte da Arrábida custa 280 euros, acrescidos de taxas de limpeza (30€), de serviço (49€) e turística (2€). Tudo somado, são 361 euros por uma noite. O apartamento leva seis pessoas, com direito a usar piscina, ginásio e sala de bilhar.
Título constitutivo dá segurança - A existência de um título constitutivo, integrado por um regulamento, permite aos compradores de uma fração saberem com certeza o estatuto do imóvel que escolheram adquirir e que ele se manterá, a não ser que todos os condóminos decidam alterá-lo.