Tribunal de Setúbal condenara esquizofrénico a 15 anos de internamento. STJ diz que poderá cumprir apenas três anos, se ficar curado.
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O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) reduziu de 15 para três anos o tempo mínimo de internamento de um homem de 51 anos que, em março de 2018, espancou a mãe, de 86 anos, até à morte, no Pinhal Novo. Segundo o acórdão, em casos como este, "o internamento tem um limite mínimo explícito de três anos, não podendo o tribunal fixar um limite mínimo mais elevado". O Ministério Público já tinha concordado com o recurso do arguido, inimputável perigoso.
A 20 de março de 2018, Luís foi festejar o aniversário da mãe à sua casa no Pinhal Novo. Ficou lá a dormir e, no dia seguinte, a idosa ofereceu-lhe um lanche. Como costumava fazer, esmagou o pão para que este coubesse na torradeira. Nunca imaginou o que viria a seguir.
Em 1998, Luís começou a apresentar sintomas psicopatológicos e sujeitou-se a tratamento para a esquizofrenia. Em 2015 deixou de ter acompanhamento e largou os medicamentos antipsicóticos.
No dia do crime, Luís estava em descompensação aguda e, ao ver a mãe bater no pão, entrou num surto psicótico. Na fé católica, o pão simboliza "o Corpo de Deus". Para Luís, ao bater no pão, a mãe estava a bater em Deus. Confrontou-a e forçou-a rezar com ele. A mãe enganou-se em alguns versos do Pai Nosso. Luís viu nisso uma manifestação do mal.
"Acreditando que estava perante um ser não terreno, um ser malévolo, o arguido, para além de empurrar a mãe pelos ombros, começou a desferir-lhe chapadas na cara", descreve o acórdão do Tribunal de Setúbal. Seguiram-se murros e pontapés. Luís agarrou violentamente na traqueia da mãe e rodou com força. Não contente, espetou-lhe uma esferográfica no pescoço.
Não é certo quanto tempo duraram as agressões mas a idosa acabaria por falecer. Já morta, Luís ainda lhe espetou uma esferográfica no olho direito e, depois, no esquerdo. Quando se apercebeu que o corpo da mãe estava frio, tapou-lhe a cara com um cobertor e sentou-se ao seu lado. Ali permaneceu até à chegada da irmã e do cunhado, na manhã seguinte.
finalidade é o tratamento
Em primeira instância, Luís Xavier foi declarado inimputável perigoso. "Face ao perigo de poder vir a praticar futuramente outros factos da mesma espécie", a 15 de outubro de 2019 foi condenado ao internamento em instituição psiquiátrica pelo período mínimo de 15 anos. Foi internado no Hospital Prisão de Caxias.
A defesa recorreu para a Relação de Évora. O recurso lembrava que, segundo o Código Penal, o internamento tem um limite mínimo explícito de três anos quando "o agente tenha cometido crime contra as pessoas ou de perigo comum punível com pena de prisão superior a cinco anos". Logo, nesses casos, não pode ser fixado um limite mínimo mais elevado do que aquele.
O Ministério Público, junto da primeira instância, concordou com a argumentação. Todavia, a Relação de Évora entendeu que deveria ser o STJ a pronunciar-se. Os juízes conselheiros também deram razão à defesa.
Apoiando-se em jurisprudência anterior, o STJ frisou que o internamento funda-se na "perigosidade do agente devido à sua anomalia psíquica" e a sua "finalidade primeira" é a cura e tratamento. Como o tribunal não pode ajuizar "a priori" quando é que a perigosidade vai cessar, não pode também fixar um mínimo mais elevado do que "por razões político-criminais". Daí que Luís Xavier apenas terá de cumprir um mínimo de três anos de internamento, decidiram os juízes do STJ.
Após esses três anos, o internamento poderá ser objeto de uma prorrogação sucessiva a cada dois anos. A medida termina quando o tribunal, baseado em parecer médico, verificar que cessou o estado de perigosidade.
PORMENORES
"Fiz uma asneira"
O crime foi descoberto na manhã seguinte ao homicídio pela irmã e pelo cunhado que tinham ido ver por que a mãe não atendia o telefone. Luís abriu a porta e disse ao cunhado: "fiz uma asneira".
Pai estava em casa
O pai de Luís esteve sempre em casa, mas não se terá apercebido de nada. Tinha cancro em fase terminal e morreu três semanas depois da mulher.