Informático e funcionário judicial José Augusto Silva terá usado credenciais de colegas para espiar processos que interessavam às àguias.
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A pergunta deixou constrangida Cristina Castro, oficial de justiça de Fafe, ao testemunhar na quarta-feira, em Lisboa: afinal, qual era a sua password antes de, em 2017, José Augusto Silva, então funcionário no mesmo tribunal, ter alegadamente usado as suas credenciais para conseguir espiar um processo que ali corria? "Benfica", acabou por responder, esclarecendo que fora aquele ex-amigo - acusado pelo Ministério Público (MP) de ter passado dados confidenciais a Paulo Gonçalves, à data assessor jurídico da SAD benfiquista - a definir, há mais de 15 anos, a palavra-passe. "Brincaria" assim não só com ela, mas com vários colegas.
"Já não sou benfiquista, se alguma vez fui. O futebol, por mim, podia acabar. Sou antifutebol", assegurou Cristina Castro, que chegou a ir a jogos das águias e é casada com um antigo futebolista que jogou com o atual presidente do clube, Rui Costa, no Fafe.
No segundo dia do julgamento e-Toupeira, foram três os oficiais de justiça do Tribunal de Fafe, um dos quais aposentado e primo de José Augusto Silva, a admitir que não mudaram as suas passwords durante anos. E era ao arguido, responsável por prestar apoio informático aos colegas, que pediam ajuda sempre que necessário, disseram ainda os oficiais de justiça.
procuradora "incomodada"
"Enquanto estava no ativo, quando havia alguma avaria, nós dávamos quer ao José Augusto Silva quer a outros técnicos a password de acesso ao computador", recordou José Ribeiro, cujas credenciais continuaram a ser usadas mesmo após ter-se reformado, em 2014.
"Eu esquecia-me da password e pedia ao Zé: "arranja-me uma password", contou, por sua vez, Florinda Gonçalves. "Eu sei que ele sabia [a palavra-passe] e confiava plenamente nele", garantiu, finalmente, Cristina Castro.
De acordo com a acusação do MP, José Augusto Silva terá usado as credenciais de José Ribeiro para entrar nos computadores, recorrendo, então, aos dados de acesso de uma daquelas funcionárias ou de uma procuradora, Ana Paula Vitorino, para entrar no Citius, a plataforma onde estão os processos judiciais, incluindo os que estão em segredo de justiça. Os acessos ocorreram em 2017 e 2018 e nenhuma se apercebeu. "Isto ainda hoje me incomoda muito", desabafou, ontem, a magistrada.
Reunida a informação, José Augusto Silva fá-la-ia depois chegar a Paulo Gonçalves, através de um segundo oficial de justiça, Júlio Loureiro. Em troca, os funcionários judiciais receberiam camisolas do Benfica ou convites para jogos do clube. Estão os três a ser julgados por crimes como corrupção e acesso ilegítimo. A SAD do Benfica chegou a ser acusada, mas foi ilibada na instrução.
Ontem, várias testemunhas corroboraram a versão de Júlio Loureiro, também ex-observador de árbitros, de que era habitual pessoas ligadas ao mundo do futebol terem bilhetes gratuitos para jogos do Benfica e de outras equipas, incluindo a seleção nacional.
"Quando vamos a Guimarães, vamos com bilhetes do Rui Costa", ilustrou Cristina Castro.
Processo
Dezenas de crimes
Paulo Gonçalves, de 51 anos, e José Augusto Silva, de 55, estão acusados de dezenas de crimes. Júlio Loureiro, de 46, responde por um. Foi o único a falar, para já, no julgamento. Negou os crimes.
Processos espiados
O processo no qual o hacker Rui Pinto está a ser julgado e a investigação a subornos de funcionários do SEF e da Segurança Social foram alguns dos casos espiados.
Mais testemunhas
A próxima sessão do julgamento é a 20 deste mês. Há 17 testemunhas agendadas para falar.