Tráfico, agressões e extorsões mantêm cadeia de Paços de Ferreira sob sequestro

Cadeia de Paços de Ferreira
Foto: Arquivo
Detenção de guardas prisionais na Operação “Entre-Grades” não acabou com a violência entre reclusos que é motivada pela compra e venda de drogas e telemóveis atrás das grades.
A detenção em 2019 de guardas prisionais que levavam droga e telemóveis para trás das grades não travou o tráfico na cadeia de alta segurança de Paços de Ferreira. De lá para cá, somam-se agressões, extorsões e ameaças entre reclusos, motivadas pela compra e venda de material proibido e, ainda há duas semanas, a Polícia Judiciária (PJ) realizou buscas às celas para apreender papéis impregnados de droga sintética. Também se acumulam processos judiciais e, num deles, o Ministério Público pediu, na última quarta-feira, penas pesadas para nove presos acusados de integrar uma rede violenta dedicada ao narcotráfico no estabelecimento prisional.
“Dúvidas não existem que esta rede funcionava no estabelecimento prisional de Paços de Ferreira”, afirmou, nas alegações finais do julgamento a decorrer no Tribunal de Penafiel, o procurador Abílio Campos. Este lembrou que já trabalhou em três ou quatro processos judiciais relacionados com a mesma prisão e “várias redes de tráfico de droga”. E adiantou que há mais um que, em breve, chegará a julgamento.
O magistrado defendeu, assim, que José Ezequiel Cabeças, acusado de liderar a organização que lucrou mais de 197 mil euros euros, contabilizados em contas de “passagem, entre 2014 e 2019, com a venda de haxixe, heroína e cocaína na cadeia, seja condenado a “12, 13 anos de prisão”. Para António Cortes e António Monteiro, reclusos próximos de Cabeças, o procurador entende que a pena mais adequada será a de “oito, nove anos” de cadeia, enquanto os restantes comparsas deverão ser condenados a “seis, sete anos”.
Reclusos extorquidos
A rede de Cabeças era abastecida por guardas detidos numa investigação da PJ, incluindo o chefe Manuel Borges, que, em dezembro de 2021, foi condenado a dez anos de cadeia por tráfico e corrupção. Este processo, conhecido como “Entre-Grades”, não acabou com o tráfico numa cadeia que devia ser das mais seguras em Portugal. A prová-lo está a nova investida da PJ, que, no dia 13, apreendeu papéis impregnados de K4, droga sintética que é pulverizada em cartas enviadas aos reclusos. Uma das 18 celas alvo de buscas era ocupada por um dos arguidos do julgamento que decorre em Penafiel e que, suspeitam as autoridades, continua a traficar atrás das grades.
Ao JN, fonte prisional garante que, “sempre que há buscas em Paços de Ferreira, são apreendidos telemóveis e droga”. “Há presos que regressam de uma saída precária com droga e telemóveis inseridos no ânus para entregar às redes que dominam o tráfico na cadeia”, explica.
O presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, Frederico Morais, acrescenta que muitos reclusos são ameaçados pelas organizações criminosas que atuam na prisão. “Temos presos que não querem ter saídas precárias, porque são obrigados a carregar produtos ilícitos para dentro da cadeia”, diz.
As agressões, extorsões e ameaças entre reclusos, plasmadas na acusação do MP que visa os presos em julgamento, continuam a marcar o quotidiano em Paços de Ferreira. “As celas disciplinares estão sempre lotadas. As extorsões também continuam e alguns presos pedem proteção e para serem transferidos. Familiares de reclusos recebem igualmente telefonemas com ameaças”, pois “nada mudou” após a operação Entre-Grades.
O diretor da cadeia, José António Silveira, recusou uma entrevista ao JN, alegando que “o trabalho que desenvolve se deve manter fora do espaço público e que não trata nos média de assuntos que se encontram sob investigação e em segredo de justiça”.
Advogados de defesa criticam acusação e pedem absolvição
Os advogados dos reclusos que estão a ser julgados defendem que nada ficou provado quando à existência de uma rede criminosa liderada por José Ezequiel Cabeças. “Os depoimentos prestados estão feridos de credibilidade. Foram débeis e contraditórios”, afirmou a advogada deste, Inês Dinis Cabral. “A montanha pariu um rato. A prova é frágil”, concordou Alexandre Costa Pereira, advogado de João Lito Soares. Ainda mais corrosivo foi Miguel Borges de Sousa, defensor de Mário Elísio Ferreira. “Esta é uma acusação escandalosa. É com acusações destas que a Justiça fica mais pobre. Estes arguidos deviam estar no papel de vítimas de um sistema corrompido”.

