Apoio especializado é fundamental para a recuperação total de família, amigos e sobreviventes de tentativas de homicídio.
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Isabel, vamos chamar-lhe assim, foi alvo de uma emboscada e viu o ex-marido assassinar o novo namorado. Também foi baleada por um homem sedento de vingança, mas conseguiu sobreviver. Física e, sobretudo, mentalmente, devido à Rede de Apoio a Familiares e Amigos de Vítimas de Homicídio e de Vítimas de Terrorismo (RAFAVHT).
Dinamizada pela Associação de Apoio à Vítima (APAV) esta rede revela, hoje, um relatório que sinaliza 89 homicídios em Portugal, no ano passado. Trinta dos quais ocorridos em contexto de violência doméstica. O documento, construído com base nas notícias dos órgãos de Comunicação Social, mostra, igualmente, que, tal como Isabel, 91 pessoas (num total de 761 atendimentos) tiveram necessidade de recorrer à ajuda dos técnicos desta instituição. Número que reflete apenas a realidade de 2020, porque nos últimos oito anos foram 723 mulheres e homens alvo de tentativa de homicídio ou familiares e amigos de vítimas mortais a precisarem do apoio da APAV.
Segundo Isabel, este trabalho mental é fundamental para a recuperação integral de quem viu a morte de perto. "Quando estamos no fundo do poço, o técnico é aquela pessoa que nos estende a corda e ajuda a sair. Não nos critica, ouve o que temos para dizer e só isso ajuda", explica, ao JN.
Logo depois de ter sido atingida a tiro num cenário de extrema violência, Isabel recusou o conselho dos inspetores da Polícia Judiciária - responsável pelo encaminhamento de 26 vítimas para a RAFAVHT - para valer-se dos serviços da APAV. "Pensava que não precisava de apoio", justifica. A insistência dos polícias fê-la mudar de ideias. "E ainda bem que fui às consultas. Há coisas que nunca vou apagar da memória, mas aprendi a valorizar-me. Hoje, sou uma mulher mais forte e já não deixava chegar as coisas ao ponto que chegaram. Uma mulher não é lixo", garante quem era vítima de violência doméstica mesmo antes de ter sido alvejada.
Quatro crianças mortas
O relatório da RAFAVHT mostra que 30 dos 89 homicídios registados aconteceram em contexto de violência doméstica e que 17 das vítimas mantinham ou já tinham tido uma relação de intimidade com o homicida. As rixas, desavenças familiares (que também contam como violência doméstica), os crimes patrimoniais e os ajustes de contas foram outros motivos para os assassinatos verificados em território nacional. Já no estrangeiro, onde 18 portugueses foram mortos, um dos quais num atentado terrorista, o roubo esteve na base de oito dos crimes.
Entre as 38 mulheres e 50 homens assassinados (há um cadáver que não foi identificado), contam-se quatro crianças com menos de quatro anos e 15 idosos com mais de 70. O número maior de vítimas, contudo, conta-se na faixa etária que vai dos 40 aos 49 anos.
Valores dramáticos que não tiram a esperança a Isabel. "Temos de acreditar que o futuro será diferente", diz.
12 mulheres foram identificadas, no relatório da RAFAVHT, como autoras de homicídios, ocorridos em Portugal, durante o ano passado. 33% utentes que foram apoiados pelos técnicos da RAFAVHT eram filhos de vítimas de assassinatos. Cerca de 14% eram pais.
RASI corrige
Como se baseiam em notícias de jornais e televisões, os números do relatório da APAV são um pouco diferentes dos dados oficiais. O Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) identificou, no ano passado, 93 homicídios.
Homicídios a crescer
A última edição do RASI mostra que, com exceção de 2018, o número de homicídios está a crescer desde 2016, em Portugal. A diferença entre 2020 e 2019 é de quatro casos.
Menos crimes
Os valores mais recentes estão longe dos alcançados entre 2006 e 2012. Nesse primeiro ano, houve 198 assassinatos.