Ação popular que pode beneficiar milhares de proprietários foi aceite por tribunal de Lisboa. Danos podem ascender a 79 milhões.
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O Tribunal Central Cível de Lisboa aceitou julgar uma ação popular intentada por uma associação europeia de consumidores contra os fabricantes de carros Fiat, Alfa Romeo e Jeep, que, a ser vitoriosa, poderá implicar o pagamento de uma indemnização a milhares de consumidores em Portugal. Em causa estão os danos provocados pela alegada instalação, em modelos daquelas marcas, de um mecanismo que esconde, aquando da homologação dos veículos, que estes emitem, ao circular, gases acima do limite legal.
No despacho, de 17 deste mês, o juiz conclui que, à luz de "avaliação muito lata e inicial", é "manifestamente improvável a improcedência da ação", devendo esta seguir para julgamento. Por isso, ordena a citação, por anúncio público, de potenciais interessados: "Os consumidores de veículos ligeiros Fiat, Alfa Romeo e Jeep, com motores FCA diesel Euro 5 e Euro 6 (até Euro 6c), vendidos ou importados em Portugal e matriculados no país a partir de 1 de janeiro de 2009". A Ius Omnibus, autora da ação que é presidida pela professora da Faculdade de Direito de Coimbra Sandra Passinhas, estima que os danos ascendam a mais de 79 milhões de euros, fora os prejuízos ambientais.
A petição inicial da associação, que se faz representar pelo escritório de advogados Pais de Vasconcelos & Associados, visa quatro sociedades: a Stellantis N.V.; a Fiat Chrysler Automobiles Italy, S.P.A.; A FCA US, LLC; e a FCA Portugal, S.A.. Só esta última está sediada em território nacional.
Segundo a Ius Omnibus, várias investigações provaram que as rés instalaram nos automóveis que produzem e comercializam "dispositivos manipuladores que melhoram sistematicamente o comportamento do sistema de controlo de emissões de veículos durante os procedimentos de aprovação", mas "que depois modificam, reduzem ou cessam mesmo o seu funcionamento, fazendo com que, em modo de funcionamento normal, [...] as emissões aumentem e excedam muito acentuadamente os limites legais".
2600 euros por veículo
No total, terão sido afetadas, crê a Ius Omnibus, pelo menos 29 340 viaturas em Portugal. Entre os danos causados aos automobilistas, estão, alega, os "preços indevidamente elevados" dos automóveis, o sofrimento gerado nos condutores por saberem que o seu carro é afinal mais poluente e a eventual proibição de, no futuro, circularem no país, por não cumprirem as normas ambientais em vigor.
Além da indemnização, a associação apela ao tribunal que condene as rés a removerem, sem custos, os manipuladores dos veículos e a garantir o bom funcionamento destes. E sugere que seja atribuída à Direção-Geral do Consumidor a tarefa de distribuir pelos lesados uma indemnização de, no mínimo, 2600 euros por automóvel.
Os fabricantes têm, noutras instâncias, negado a ilegalidade dos dispositivos em causa. O diferendo prossegue em Lisboa.
PERGUNTA&RESPOSTA
Que gases estão em causa e quais são os seus efeitos?
Em causa estão os óxidos de azoto, aponta a ação. Segundo um relatório da Agência Europeia do Ambiente, citado na petição, em 2018 foram atribuídas à emissão daqueles gases 54 mil mortes na União Europeia, 750 delas em Portugal. Podem ainda contribuir para a acidificação e eutrofização das águas e dos solos.
A questão tem tido a atenção da União Europeia?
Sim. Desde o início da década de 1990 que existem normas Euro, que têm progressivamente baixado o limite máximo de emissões rodoviárias. Em 2015, o chamado "Dieselgate", que revelou a manipulação de emissões feita pela Volkswagen nos testes laboratoriais aos seus veículos, originou um maior controlo dos sistemas de homologação.
A manipulação na Fiat, Alfa Romeo e Jeep foi abordada?
Só em testes posteriores, da autoria, entre outros organismos, das autoridades homologadoras da Alemanha (KBA) e dos Países Baixos (RDW). Os fabricantes têm alegado que são abrangidos por uma exceção regulamentar, mas, segundo a ação popular, a ilegalidade dos mecanismos foi decidida, em 2020, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.
As rés do processo de Lisboa já foram condenadas noutros países?
Sim, nos EUA e na Coreia do Sul. A sanção chegou a 900 milhões de dólares (mais de 765 milhões de euros).
PORMENORES
Ministro chamado
O atual ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, é uma das três testemunhas arroladas pela Ius Omnibus. O académico João Joanaz de Melo e o diretor técnico das rés, Harald J. Wester, são as restantes.
Até 25 vezes mais
Diversas investigações apuraram que, apesar de terem sido homologados por cumprirem as normas legais, há veículos da Fiat, Alfa Romeo e Jeep a emitirem entre 13 e 25 vezes mais do que o limite legal.
Podem excluir-se
Os consumidores que não quiserem ser abrangidos pela ação em causa poderão requerer ao tribunal a sua exclusão de qualquer decisão que venha a ser proferida.