Taxa de condenação em primeira instância tem sido superior a 70%, desde que os maus-tratos foram criminalizados. Hoje é o Dia do Animal.
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Os tribunais de primeira instância condenaram 562 arguidos por maus-tratos a animais de companhia, nos oito anos de vigência deste crime em que os números são conhecidos. Os dados são da Direção-Geral da Polícia de Justiça (DGPJ) e indicam que a maioria dos processos por maus-tratos que chega a julgamento termina em condenação. Tais casos, porém, são ainda uma minoria quando comparados com o total de crimes registados pelas autoridades policiais.
Dez anos depois da criminalização dos maus-tratos a animais de companhia, o PAN pretende alargar a proteção da lei aos restantes animais e insiste em consagrar na Constituição da República o bem-estar animal. “Esta lei trouxe uma mudança de mentalidade muito importante. Agora, é fundamental ir mais longe e incluir os demais animais, como, por exemplo, os cavalos, que também têm a capacidade de sentir e de sofrer”, comenta a líder do partido, Inês Sousa Real, ao JN. A proposta de alargamento será debatida no Parlamento hoje, Dia do Animal (ver texto na página seguinte).
“Sociedade mais atenta”
Nas estatísticas mais recentes da DGPJ, relativas a 2023, registaram-se 1729 crimes contra animais de companhia: 1084 por morte e maus-tratos; e os restantes 645 por abandono. A maioria (1037) foi registada pela GNR.
No ano anterior, tinham sido registados 2022 crimes, o que revela uma diminuição de 293 crimes em 2023. Este ano, aliás, foi aquele em que se registaram menos crimes, tirando os dois primeiros anos de vigência da lei: 2016 (1623) e 2015 (1330). A explicação poderá estar nas dúvidas sobre constitucionalidade da lei, que foram sanadas em janeiro deste ano (ler texto ao lado).
A líder do PAN congratula-se por haver “cada vez mais denúncias” e “uma sociedade mais atenta e alerta contra os maus-tratos e abandono de animais”. Uma sociedade que se mobilizou e saiu à rua quando sentiu que o Tribunal Constitucional se preparava para declarar a inconstitucionalidade da lei. “Foi a demonstração, ao poder político e ao poder judicial, de que a lei é para manter e para ser respeitada. Há uma sociedade que não vai admitir retrocessos”, diz Inês Sousa Real. “É fundamental acautelarmos que se garanta a aplicação da lei através do reconhecimento constitucional do bem-estar animal”, defendeu, prometendo continuar a trabalhar nesse sentido.
Condenados 70 a 81%
Apesar das várias centenas de crimes registados, só uma pequena parte tem chegado a tribunal. Entre 2015 e 2022, em sede de primeira instância, apenas findaram 731 processos-crime. Terminaram em condenações 562, o que representa 77% do total, em sede de primeira instância (a DGPJ não tem dados sobre as decisões proferidas nos tribunais de recurso). Dos 144 processos findos em 2022, redundaram em condenação 70%, na menor percentagem de sempre. Nos outros anos, as condenações variaram entre 71 e 81%.
Apesar de tudo, Inês Sousa Real considera que a percentagem de arquivamentos mostra que “ainda há um caminho a fazer, de formação e sensibilização de magistrados, PSP, GNR e médicos veterinários, para que estejam a par da legislação do nosso país”. Salienta, por outro lado, a necessidade de garantir meios aos elementos da GNR e PSP.
Plenário do Tribunal Constitucional pôs fim a controvérsia
Nos últimos anos, vários tribunais recusaram-se a aplicar a lei que criminalizou os maus- tratos a animais de companhia. Argumentavam que só a violação de princípios ou bens jurídicos consagrados na Constituição podia constituir crime punível com pena de prisão. Questionavam ainda a aplicação dos conceitos alegadamente indeterminados de animal de companhia e de maus-tratos.
Mas, em janeiro deste ano, o Tribunal Constitucional (TC) decidiu, em plenário, que seria errado “reduzir os direitos ou interesses constitucionalmente protegidos aos enunciados no texto constitucional”. A “dignidade da pessoa humana” atinge-se não só na relação com outros homens, como “com os demais seres sencientes”, salientou.
Absolvições mantêm-se
O TC também entendeu que os maus-tratos são explicitamente “físicos” e que o conceito de animal de companhia está definido noutros diplomas legais. Por fim, lembrou que as “dúvidas interpretativas sobre os limites da conduta penalmente relevante podem existir em qualquer crime”. Não existe qualquer inconstitucionalidade na lei, concluiu.
A decisão do TC não reverte absolvições anteriores de arguidos, nem impede os juízes de continuarem a recusar-se a aplicar a lei dos maus-tratos. Se esta tivesse sido declarada inconstitucional, aí sim, os tribunais ficariam impedidos de a aplicar.
Saber mais
32 meses de prisão
É a pena máxima por matar um animal de companhia sem motivo legítimo. A pena vai de seis meses a dois anos de prisão (ou multa de 240 dias), mas é agravada em um terço se houver especial perversidade. Os maus-tratos podem custar até um ano de prisão ou 120 dias de multa.
0 prisões efetivas
Apesar das centenas de condenações, por morte ou maus-tratos a animais de companhia, até meados de 2023 nenhum arguido foi preso. A lei diz que as penas não superiores a cinco anos podem ser suspensas.