Governo quer juntar violência doméstica, maus-tratos e responsabilidades parentais, mas reconhece limitação constitucional.
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A ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, diz que não se trata de criar tribunais especializados, porque a Constituição os proíbe, mas anunciou a intenção do Governo de ver a violência doméstica tratada por tribunais com "um maior nível de especialização". No primeiro dia de luto nacional pelas vítimas de violência doméstica, em que se multiplicaram as iniciativas públicas sobre o tema, o Conselho de Ministros resolveu criar um grupo de trabalho para equacionar soluções que "permitam a unificação num mesmo tribunal, de competência mista, da decisão das causas em matérias de responsabilidades parentais, violência doméstica e maus-tratos".
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A ideia, ainda pouco concretizada na forma como foi anunciada, passará por concentrar competências judiciais sobre dois tipos de crimes, que tendem a ocorrer em contexto familiar e, atualmente, são julgados em tribunais criminais concebidos para todo o tipo de ilícitos, e competências sobre responsabilidades parentais que, por ora, são da conta dos tribunais de famílias e menores.
"Estando a viver o alarme social, justificado, que estamos a viver, sobre o tema da violência doméstica, julgamos que devemos explorar ao máximo a capacidade que a Constituição nos dá de dar aqui uma resposta com um maior nível de especialização, não sendo um tribunal especializado", justificou a ministra Vieira da Silva.
Para o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Manuel Soares, "pode ser uma boa proposta, se respeitar a Constituição". Mas este é justamente o busílis da questão, pois o artigo 209º da Lei Fundamental determina que, sem prejuízo dos tribunais militares, "é proibida a existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes".
Juízes especializados
Por tal proibição constitucional, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, assumira, em entrevista publicada no último domingo na "Notícias Magazine", que esta "é daquelas matérias em que vai ser preciso pensar quando se revir a Constituição". A ministra lembrou que, "há 45 anos, aquela norma tinha inteiro fundamento", dado o trauma dos tribunais plenários que, na ditadura, julgavam os crimes políticos. "Hoje, obstaculiza uma maior capacidade de resposta a fenómenos criminais mais agressivos", comparou Van Dunem, aludindo à necessidade de a criminalidade económico-financeira e a violência doméstica serem julgadas por juízes especializados (já são investigadas, geralmente, por procuradores especializados).
O dirigente sindical dos juízes não se pronuncia sobre uma eventual revisão constitucional, mas aplaude a proposta da ministra da Presidência: "Até se mudar a Constituição, podem procurar-se outras soluções para se encontrar alguma especialização. E a proposta apresentada é uma boa base para se pensar nisso".
Já o coordenador da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica, Rui do Carmo, questionado à margem da conferência sobre violência doméstica, não mostrou grande entusiasmo: "Nós temos é de ser capazes de implementar de forma eficaz e adequada a legislação que temos neste momento, que é, a meu ver, já suficientemente robusta", afirmou.