Francisco Pedro tinha sido acusado de um crime de desobediência qualificada. Caso remonta a 2019, quando um protesto contra a expansão do aeroporto de Lisboa interrompeu um evento do Partido Socialista (PS).
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O Tribunal Local Criminal de Lisboa absolveu, esta quinta-feira, o ativista ambiental que, em 2019, interrompeu um discurso do primeiro-ministro, António Costa, numa iniciativa do PS, em Lisboa. Francisco Pedro, conhecido por "Kiko", tinha sido acusado pelo Ministério Público de um crime de desobediência qualificada, por ter, alegadamente, organizado a manifestação, que não foi comunicada à Câmara Municipal de Lisboa.
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O caso remonta a abril de 2019, quando um grupo de ativistas ambientais protestou, no jantar de aniversário do PS no Centro de Congressos de Lisboa, contra a expansão do aeroporto da capital, lançando aviões de papel e exibindo cartazes com frases como "mais aviões só a brincar".
Francisco Pedro, de 35 anos, subiu, na ocasião, ao palco para ler um comunicado, tendo, antes de ter sido retirado, disputado o microfone com António Costa, que discursava enquanto secretário-geral dos socialistas.
Posteriormente, o Ministério Público considerou que "Kiko" tinha sido o promotor da manifestação e acusou-o de um crime de desobediência qualificada, por não ter, como a lei obriga, comunicado o protesto à autarquia. Mas a acusação acabou por cair no julgamento, uma vez que, segundo a juíza Sofia Claudino, o tribunal não ficou "convencido" de que o arguido foi o "mentor e organizador da ação de protesto".
"Ato de irreverência"
Esta quinta-feira, a magistrada sustentou, na leitura da sentença, que a versão de Francisco Pedro de que soube da realização da ação num grupo de WhatsApp foi corroborada, no julgamento, por outros dois ativistas que, por terem testemunhado de forma "serena e espontânea", mereceram "credibilidade".
A juíza sublinhou ainda que o próprio chefe da PSP que, em abril de 2019, considerara "Kiko" o "promotor" do protesto por se ter chegado à frente admitiu que se pode ter enganado ao interpretar o gesto do ativista.
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"O tribunal pôde apenas apreciar a [sua] interpretação, naturalmente subjetiva, do comportamento do arguido", acrescentou Sofia Claudino, para quem o movimento pode ter sido só "um ato de irreverência" ou "coragem".
A magistrada decidiu, por isso, absolver Francisco Pedro do crime de desobediência qualificada de que estava acusado e pelo qual poderia ser punido com até dois anos de prisão ou até 240 dias de multa.
O Ministério Público pode ainda recorrer da decisão.
"Caso caricato"
"O grande alívio não é haver absolvição, que era esperada. O grande alívio vai ser quando o Governo finalmente anunciar o cancelamento deste projeto [de expansão do aerporto de Lisboa]", reagiu, à saída do tribunal, o ativista ambiental.
"A grande oportunidade de um caso caricato como é esta acusação chegar até onde chegou é poder focar naquilo que realmente interessa, que é o ecocídio: a possibilidade de destruir o ecossistema que permite a vida", frisou.
Francisco Pedro admitiu igualmente participar em mais protesto contra a expansão do aeroporto de Lisboa. "O desfecho deste caso lembra-nos que temos muita margem de manobra para nos defendermos, para nos manifestarmos, para nos expressarmos", alegou, falando num "dever de serviço à Terra e à vida".
"Clarou que vai haver muito mais manifestações, a menos que haja uma mudança de rumo e que estes crimes ambientais cessem", concluiu.
SABER MAIS
Acordo com a ANA
O Estado e a ANA - Aeroportos de Portugal acordaram, em janeiro de 2019, a expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa. O investimento estimado era então de 1,15 mil milhões de euros até 2028.
Montijo escolhido
A opção escolhida foi a reconversão da base aérea do Montijo, na margem sul do Tejo. A decisão tem, porém, sido bastante contestada, devido ao impacte ambiental do projeto no ecossistema ali existente.
Avaliação em curso
Depois de, em março de 2021, a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) ter chumbado liminarmente a apreciação do projeto, por não ter pareceres favoráveis de todos o municípios abrangidos, o Governo decidiu promover uma avaliação ambiental estratégica, que irá apreciar três soluções possíveis. O resultado deverá ser conhecido em 2023.
Redução da aviação
Em 2019, a ação de protestos foi desenvolvida por ativistas da campanha ATERRA. O movimento defende, em geral, a redução da aviação. A suspensão da construção e expansão de aeroportos é um dos seus objetivos.