O Tribunal Central Administrativo do Norte confirmou a sentença, proferida em 2018, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que condenava a Unidade Local de Saúde do Nordeste, uma obstetra e a sua seguradora, ao pagamento solidário de uma indemnização de 400 mil euros (309 mil euros acrescidos de juros de mora relativos aos oito anos que a ação durou) aos pais de Gonçalo que nasceu, há 17 anos, com paralisia cerebral, porque a médica abandonou o posto de trabalho para ir a casa, ficando com uma incapacidade para toda a vida de 91,5%.
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Os três arguidos também vão custear obras de adaptação, na casa da família, às necessidades do adolescente.
Esta foi a consequência da decisão dos juízes, que negaram provimento ao recurso apresentado pela médica, colocando ponto final na batalha judicial por não ser passível de mais recursos.
Para esta deliberação pesou o facto de a obstetra já ter sido condenada, em 2010, pelo Tribunal de Mirandela, a três anos de prisão, com pena suspensa, pelo crime de recusa de médico, agravado pelo resultado. Pena confirmada pela Relação do Porto, em 2012, altura em que os pais deram entrada com um pedido de indemnização.
Morosidade excessiva
"Sinto-me satisfeita, apesar da morosidade excessiva da justiça que nos obrigou a uma resiliência enorme com muitos encargos", diz a mãe do rapaz. "Estou mais aliviada porque o Gonçalo tem o futuro salvaguardado com esta indemnização para as suas despesas de saúde e de tudo o que ele precisar para ter melhor qualidade de vida, dentro das suas graves limitações. Era a nossa única pretensão neste processo", acrescenta Isabel Bragada, lembrando o calvário que têm sido estes 17 anos. "Não há dinheiro que pague a vida de alguém, porque o Gonçalo foi vítima de um crime que o privou de viver com autonomia".
Devido ao agravamento do quadro clínico, Gonçalo vive na Kastelo, a única unidade de cuidados continuados e paliativos pediátricos do país, em Matosinhos, com os custos suportados pelos pais.
O caso remonta a 11 de fevereiro de 2003, quando Isabel Bragada deu entrada na maternidade de Mirandela (encerrada em 2006), com 39 semanas de gestação. A obstetra decidiu que iria provocar o parto e propôs o internamento. Apesar de estar em regime de presença física, foi a casa. Quando Isabel entrou no período expulsivo, não colaborando por exaustão, o feto ficou encravado, "mantendo-se em sofrimento agudo, que revelava asfixia perinatal, levando-o a sofrer edema cerebral extenso, vindo a nascer com paralisia cerebral e epilepsia", revela o acórdão. Tal perigo não podia ser resolvido de outra forma senão pela intervenção da arguida, que foi contactada e compareceu minutos depois, socorrendo-se de ventosa, mas sem evitar o desfecho que se conhece de Gonçalo.
Batalha judicial começou há 15 anos
Fevereiro 2005
Pais do Gonçalo apresentam queixa-crime contra a médica imputando-lhe responsabilidade penal pelas lesões com que nasceu o filho, derivadas do parto, em fevereiro de 2003.
Outubro 2008
Inspeção-Geral de Saúde suspende a médica por 90 dias. Pais requerem abertura da instrução.
Junho 2009
Julgamento por determinação da Relação do Porto, contrariando decisão do Tribunal Judicial de Mirandela.
Setembro 2010
A médica é condenada pelo crime de recusa agravado pelo resultado, na pena de três anos de prisão, suspensa por igual período. Tribunal considera ter havido recusa dolosa de auxílio da profissional.
Fevereiro 2012
Relação nega provimento ao recurso da médica e confirma acórdão. Pais entram com ação no Tribunal Administrativo de Mirandela a pedir indemnização.
Fevereiro 2018
Tribunal condena arguidos a pagar 309 mil euros e obras na casa da família.
Julho 2020
Tribunal Central Administrativo do Norte nega recurso da médica, colocando ponto final na batalha judicial.
Outros casos
Famalicão
Em fevereiro do ano passado, o Supremo Tribunal Administrativo condenou o Centro Hospitalar do Médio Ave a pagar uma indemnização de meio milhão de euros aos pais de uma criança que viveu apenas nove anos, devido a lesões que sofreu no parto, em Famalicão.
Guimarães
O Hospital da Senhora da Oliveira, Guimarães, foi obrigado a pagar 1,4 milhões de euros a uma família por negligência num parto, em 2004. A bebé, hoje com 16 anos, ficou com paralisia cerebral. Doze anos depois, o acordo entre a família e o hospital foi homologado e incluiu o pagamento faseado até 2022.