O Tribunal da Relação de Évora acaba de reduzir e suspender a pena de prisão efetiva aplicada pelo Tribunal de Setúbal a um professor de inglês, por entender que as carícias que este fez a alunas de sete anos, por debaixo das suas roupas, têm "cariz sexual", mas não constituem crime de abuso de sexual.
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No tribunal de primeira instância, o professor tinha sido condenado a oito anos e meio de cadeia, por 20 crimes de abuso sexual. Mas, no último dia 24, os juízes desembargadores Ana Bacelar (relatora), Renato Barroso e Gilberto Cunha decidiram que estão em causa antes e apenas 11 crimes de importunação sexual, que decidiram punir com uma pena de prisão de quatro anos e sete meses, suspensa na sua execução.
O arguido, de 47 anos, ficou proibido de lecionar durante cinco anos. Já o Tribunal de Setúbal tinha decidido que aquela proibição deveria estender-se por um período de 20 anos. Os crimes ocorreram em 2017, num colégio privado de Setúbal. O professor sentava no seu colo as meninas, do 3.º e do 4.º anos de escolaridade, e acariciava-as em zonas íntimas, por fora ou por dentro da roupa. Os mesmos toques também ocorriam no recreio.
Os juízes desembargadores de Évora consideraram que "o comportamento do arguido com as suas alunas, que envolveu a introdução uma das suas mãos por dentro da roupa das menores e, em contacto com a pele destas, o toque, a carícia, a massagem no pescoço, peito/tronco, mamilos e barriga, é absolutamente desajustado em ambiente escolar, entre professor e aluna". "E tem cariz sexual, pelas zonas que o arguido escolheu para tal "contacto" e pela forma como o estabeleceu - com a pele das crianças, por baixo da roupa que envergavam", acrescentou, reconhecendo ali uma "busca de intimidade".
No entanto, o tribunal defendeu que aquele tipo de atos não tem "o relevo exigido" para dar como verificado o crime de abuso sexual de crianças, por diferentes razões apontadas no acórdão: "Porque ocorreu apenas uma vez, com cada uma das referidas crianças, porque ocorreu em público e porque, como primeira abordagem do género, é suscetível de ter deixado dúvida, em meninas tão jovens, quanto ao seu propósito".
"Neste contexto, entendemos que tais comportamentos do arguido não entravam de forma significativa a livre determinação sexual das vítimas", concluíram os desembargadores.
O Tribunal da Relação de Évora entende assim estarem em causa apenas 11 crimes de importunação, referentes às vítimas tocadas por baixo da roupa. Foi absolvido de outros nove crimes, porque "acariciou e fez cócegas a estas menores por cima da roupa que as mesmas envergavam, na zona do peito/tronco, barriga e ombros", justificou.
Juízes "apostam" na reabilitação
Os desembargadores que apreciaram o recurso suspenderam a pena de prisão por estarem "convictos de que, não obstante o arguido não ter assumido a prática dos atos que se apurou ter cometido, os trâmites deste processo tiveram um enorme impacto na sua vida - os factos que neles estão em causa impõem desonra, a existência deste processo teve divulgação na Comunicação Social, foi imposta medida de coação privativa de liberdade, e tornou-se impossível continuar a lecionar". Tendo ainda em conta a ausência de antecedentes criminais e a "inserção familiar" do arguido, o tribunal decidiu "apostar" que ele "se vai afastar da prática de outros crimes" e suspendeu a pena de prisão por cinco anos, com regime de prova.
Pormenores
Abuso de criança
O crime de abuso sexual de criança, segundo o artigo 171.ª do Código Penal, é cometido por quem "praticar ato sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa". A alínea b) do n.ª 3 do artigo prevê que "quem importunar menor de 14 anos", tendo com ele "contactos de natureza sexual", é punido com pena até três anos".
Importunação
"Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de caráter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias", prevê o artigo 170.ª do Código Penal.