O Tribunal de Gaia iniciou, esta semana, a repetição do julgamento de um ex-diretor e quatro ex-funcionárias da Aldeia de Crianças SOS de Gulpilhares, por alegados maus-tratos a menores. Os arguidos foram absolvidos no primeiro julgamento, mas Relação viu no acórdão contradições insanáveis e ordenou a repetição.
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A acusação do Ministério Público (MP) imputou aos arguidos um total de 34 crimes de maus-tratos, cometidos entre 2013 e 2015, contra pelo menos dez crianças e jovens, e seria confirmada em fase de instrução.
De acordo com o MP, os arguidos, de onde sobressai o nome de Rui Dantas, então diretor da Aldeia, terão insultado, aplicado castigos físicos e sujeitado a “tratamentos humilhantes” crianças e jovens ao seu cuidado. Nalguns casos, os arguidos terão agido por preconceito étnico e, pelo menos no caso de um jovem, essa atuação teria origem nas suas preferências sexuais. Os alegados crimes terão sido perpetrados por auxiliares, educadoras e por “mães sociais”. O ex-diretor da Aldeia, também arguido, conheceria essas práticas e terá, também, maltratado algumas das crianças queixosas.
Provado ou não provado?
No primeiro julgamento, acabariam todos absolvidos, desfecho que acabaria repudiada pelo Tribunal da Relação do Porto que encontrou no acórdão contradições inexplicáveis e “insanáveis”, dando como exemplo casos que os juízes de Gaia consideram provados, mas ao mesmo tempo, como não provados, o que para os desembargadores, levanta “sérias dúvidas sobre a consistência e a justiça” desse primeiro julgamento.
Os juízes da Relação apontam, entre outras, a ocasião em que o ex-diretor, Rui Dantas, chamou "porco" a um dos menores. Os juízes de Gaia reconheceram que se tratou de expressão ofensiva, mas apoucam a ofensa ao considerarem que Dantas não agiu com a intenção de ofender. Os magistrados da Relação esgrimem que se o autor sabe que se se trata de palavras ofensivas, tem noção que ofenderia o menor visado.
Da mesma forma, quando Dantas apertou o nariz de menores pelos quais era responsável, causando-lhe dor e sangramento, sabia que estava a cometer algo inaceitável. Porém, o coletivo de Gaia considerou como “não provado” que o menor, apesar de "zangado e revoltado", se tivesse sentido ofendido e humilhado. Para a Relação, a contradição é evidente, já que “revoltado e zangado” é, na sua essência, o mesmo que sentir-se humilhado.
Para os desembargadores, tratou-se de “contradições muito graves”, algumas delas que terão saneado intenções de humilhar e ofender, fisicamente, os menores, a cargo da Aldeia SOS de Gulpilhares, pelo que ordenaram a repetição do julgamento. Os desembargadores exigem que os factos sejam julgados objetivamente e que as contradições sejam eliminadas. Para que justiça seja feita e as vítimas sejam "devidamente protegidas”.
