O Tribunal Central Administrativo Sul travou a suspensão de 130 dias aplicada, em janeiro do ano passado, pelo então ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, a um dos oito militares da GNR que foram punidos por humilharem e violentarem um menor, de 17 anos, em Vila Nova de Milfontes, Odemira.
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No acórdão a que o JN teve acesso, em que confirmam o deferimento da providência cautelar interposta pelo guarda-principal e rejeitam o recurso do Ministério da Administração Interna, os juízes Luís Borges Freitas, Teresa Caiado e Maria Helena Filipe afirmam que "existe uma probabilidade considerável de parte dos factos censuráveis em causa não terem sido praticados nem determinados pelo recorrido [militar], mas pelos seus colegas e superiores hierárquicos".
O caso remonta a 21 de julho de 2021. Às 4.58 horas daquele dia, os oito guardas estavam no Posto de Vila Nova de Milfontes e foram alertados para uma festa no parque de estacionamento da Praia do Malhão, com centenas de jovens e em violação das regras de distanciamento social da covid-19. Ali chegados, um cabo e um guarda aproximaram-se de um grupo (onde estava o menor de 17 anos), que cantava, entre outras expressões, “f*** the police” e “filhos da p***”.
O adolescente foi detido e levou, de um militar não identificado, pelo menos uma bastonada nas nádegas. A seguir, foi revistado e informado de que teria de acompanhar os guardas ao posto e que os pais teriam de ir lá buscá-lo, mas foi antes levado algemado numa carrinha de nove lugares até ao Porto das Barcas, junto ao mar.
No percurso, em tom trocista, os militares foram fazendo perguntas sobre o menor e a família, de onde era, o que faziam os pais, se era mais um “betinho que vinha fazer porcaria para Vila Nova de Mil Fontes”. Já num descampado em terra batida, ordenaram que saísse da viatura e perguntaram-lhe: “Sabes nadar com algemas?”. O jovem começou a chorar e pediu para o deixarem ir embora.
Um dos militares retirou-lhe então as algemas, justificando que não queria “que elas se estragassem com a água do mar”, e outro guarda apontou para uma falésia e ordenou ao menor que corresse naquela direção.
Três militares exigiram ainda ao rapaz que admitisse os insultos, o que ele fez, pedindo desculpa. Um deles disse por fim para se ir embora a correr, porque, se o apanhassem na estrada, estava “lixado”. O menor começou a correr, enquanto três militares gritavam: “Foge, foge”.
MP arquivou. IGAI puniu
Na altura, o Ministério Público de Odemira abriu um inquérito ao caso que, posteriormente, arquivou, “por não terem sido recolhidos indícios suficientes da verificação dos crimes de ofensa à integridade física, abuso de poder, sequestro, tortura, falsificação de documento, denegação de justiça e prevaricação, ou de quem foram os seus agentes”.
Mas, na parte disciplinar, os oito militares foram punidos com penas de suspensão agravada - sete de 130 dias e uma de 150.
Considerou a instrutora da Inspeção-Geral da Administração Interna que, “independentemente de se saber quem disse concretamente uma frase ou outra”, os militares “agiram com o intuito claro e evidente de assustar e humilhar o menor, pelo facto de o mesmo os ter insultado quando chegaram à Praia do Malhão, sendo certo que nenhum deles agiu no sentido de impedir ou colocar termo ao que se estava a desenrolar”.
Ora, agora, o entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul é de que a acusação "não pode mover-se em imputações coletivas, sendo necessário o conhecimento das concretas ações, ou omissões, atribuídas ao alegado infrator". "A contrapor aos interesses da entidade requerida [MAI], está a absoluta dependência da esposa e filhos do vencimento mensal do requerente. De tal modo que, sem esse vencimento, fica em perigo o cumprimento das obrigações necessárias à manutenção de uma vida condigna", acrescentaram.
A pena mais pesada - 150 dias de suspensão - foi para um tenente da GNR que, segundo a IGAI, além de ter “especiais responsabilidades de exercício de comando dos seus inferiores hierárquicos, a quem prestou um péssimo exemplo”, forjou um relatório de serviço.
Este oficial também tentou travar na Justiça a aplicação da sanção disciplinar aplicada na mesma altura pelo Ministério da Administração Interna. Mas, tal como o JN deu conta em outubro, não teve a mesma sorte.
Na altura, os juízes do TCAS sustentaram que dificilmente se admitia que o militar “mais categorizado do conjunto” não se tenha apercebido de que o detido era menor, nomeadamente “aquando do seu transporte para a esquadra, de modo que os seus tutores o pudessem ir buscar”, e que lhe cabia, se fosse caso disso, “corrigir as condutas irregulares, desviantes e intimidatórias realizadas”.