Prática perigosa junto dos aeroportos está a ressurgir depois da pandemia. Na terça-feira, um aparelho afetou operação em Lisboa.
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Em seis anos, a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) registou 172 casos de voos ilegais de drones que ameaçaram a segurança de aviões no momento em que levantam ou aterravam nos aeroportos nacionais, o que corresponde a uma média de 30 ocorrências anuais. A pandemia de covid-19 reduziu significativamente essa prática ilegal, mas o registo dos últimos dois anos mostra que está a ressurgir. Ontem de manhã, oito voos tiveram de ser desviados do Aeroporto de Lisboa por causa da aproximação de um drone, avistado por pilotos a sobrevoar aviões na zona de Alcântara, no chamado funil de aproximação à pista e onde é proibido o uso desses equipamentos.
O drone, apurou o JN, encontrava-se 60 metros acima dos aviões, que foram obrigados a desviar-se dele. Por razões de segurança, a NAV Portugal- Navegação Aérea encaminhou oito voos, entre as 10.30 e as 11.30 horas, para os aeroportos do Porto e de Faro. As aeronaves retornaram mais tarde à capital, quando a situação foi normalizada pelas 11.27 horas.
Centenas à Espera
Centenas de passageiros foram afetados, pois viram o horário dos seus voos ser alterado. Um passageiro, que viajava para Milão com escala em Bruxelas, deu conta, ao JN, dos transtornos que a passagem ilegal do drone causou na operação do aeroporto. Apesar de ter voo marcado para as 12.05 horas, só conseguiu embarcar depois das 15.30 horas, tendo perdido o voo de ligação na Bélgica para a cidade italiana. O seu avião foi uma das oito aeronaves desviadas, mais precisamente para Faro.
"Consegui reagendar o voo em Bruxelas, através da agência de viagens, para outro ainda na terça-feira, mas muitos dos passageiros não conseguiram resolver a situação", conta. O passageiro recorda que o ambiente na zona de embarque era de frustração, nervosismo e apreensão entre os viajantes que viram os voos serem alterados.
Entre 2017 e 2022, a passagem de drones colocou em causa a segurança dos voos nos aeroportos nacionais por 172 vezes. Os piores anos foram 2018 e 2019 com, respetivamente, 53 e 46 "ocorrências direta ou indiretamente envolvidas com a segurança de voo", como dá conta a ANAC nos relatórios anuais de Segurança Interna. O Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, tem sido o mais visado. No primeiro ano da pandemia, houve uma grande diminuição para 10 casos, mas, desde então, esta prática ilegal está a ressurgir. Em 2021, a ANAC registou 12 casos e, no ano passado, contabilizou 14 situações - uma média de mais de um caso por mês.
Perigo máximo e imprevisível
O voo de drones junto a aeroportos é proibido e quem o faz pode pagar coimas superiores a dois mil euros, mas as consequências para a segurança dos aviões podem ser "catastróficas", afirma o comandante Seabra Santos. O piloto de linha aérea reformado e coordenador da Associação dos Pilotos Portugueses de Linha Aérea (APPLA) felicita a NAV pela decisão de desviar voos perante o avistamento de um drone, uma vez que o perigo é máximo e imprevisível. Só o simples avistamento coloca a navegação em perigo, já que o piloto é obrigado a desviar-se da rota, colocando em causa a segurança na aterragem.
A APPLA considera que há, hoje, muita ignorância por parte de quem compra drones sobre as regras de utilização do aparelho e entende que a ANAC deve apostar fortemente na sensibilização.
Saber mais
Proibido sobrevoar aeroportos
O operador de um drone que sobrevoe as áreas envolventes dos aeroportos nacionais, prisões, embaixadas e sinistros incorre no pagamento de uma multa, cujo valor é, no mínimo, de dois mil euros.
Formação gratuita e obrigatória
A formação é gratuita e obrigatória para os operadores de aparelhos entre 250 gramas e 25 quilos. As multas por incumprimento são, no mínimo, de 250 euros. A Autoridade Nacional da Aviação Civil é a entidade responsável pela abertura dos processos de contraordenação.
Cidade próxima agrava riscos
Seabra Santos, coordenador da Associação Portuguesa de Pilotos de Linha Aérea
O que pode acontecer se um drone for sugado pelo motor de um avião?
Na aproximação ao Aeroporto de Lisboa, as consequências podem ser catastróficas para o avião e para toda a cidade. Há que perceber que o motor está preparado para absorver impacto de aves, mas não para absorver drones metálicos que podem a chegar aos 25 quilos. Em Lisboa, há, ainda, o maior perigo face à proximidade da cidade na aproximação à pista. Pode haver a destruição do motor e peças serem largadas na cidade, e pode mesmo existir uma queda do avião, a maior catástrofe. É tudo possível.
O que faz um piloto ao avistar um drone?
A primeira ação é desviar-se do aparelho. O desvio leva a que o avião fique desalinhado com a pista e a pouca distância desta, o que faz com que a aterragem não seja mais segura, mas dominada pela instabilidade. Ainda assim, o problema é a imprevisibilidade da trajetória do drone, ou se vai ao nosso encontro. Há um risco elevado, que faz o piloto entrar em modo de segurança máxima. Apesar de os pilotos estarem treinados para a pior situação, de voar com um motor, não deixa de ser um evento no qual é necessária reação imediata e com consequências imprevisíveis.