Triplo homicida não se recorda de ter sido sequestrado por líder do gangue de Valbom
Rui Amorim, conhecido por ter em 1995 matado à facada dois tios e um primo em Vila Fria, Viana do Castelo, invocou esta quarta-feira em tribunal “falhas de memória” ao recordar o episódio do seu suposto sequestro e agressão, há seis anos, por Hélder Bianchi, um dos cabecilhas do extinto “gangue de Valbom”.
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O Ministério Público (MP) acusa Bianchi de ter procurado o triplo homicida, a 2 de julho de 2018, em casa dos pais deste em Santa Marta de Portuzelo, sequestrando-o e agredindo, para o fazer falar sobre o desaparecimento, na noite anterior [e até hoje], do seu amigo Fernando Borges, de alcunha “Trico”.
Hélder Bianchi começou a ser julgado, mas não esteve presente no Tribunal de Viana do Castelo, tal como está a suceder no julgamento, no Tribunal de Penafiel, em que responde por uma assalto miliionário a um ourives em 2017 e pediu aos juízes para ser dispensado de estar presente por se encontrar fora do país a trabalhar.
"Não quero incriminar ninguém"
Rui Amorim, a alegada vítima do caso ocorrido em Viana, foi assim o primeiro a ser ouvido por um coletivo de juízes de Viana do Castelo. Por videoconferência, a partir da cadeia de Vale de Judeus, recusou-se sempre a incriminar Hélder Bianchi. “Fiquei num estado lastimável. Tenho uma vaga ideia do que se passou”, declarou, insistindo, durante o seu depoimento, em frases como “não quero incriminar ninguém, se não tenho a certeza”, “fiquei num estado que até hoje não me lembro“, “ainda tenho falhas de me recordar de algumas coisas” e “não me recordo, já foi há tanto tempo”.
Face à posição de Amorim, foram lidos em tribunal os seus depoimentos anteriores, em que relatou que, no dia do sequestro, se encontrava em casa dos pais, quando tocaram à campainha e ele foi ao portão, onde estava “um homem desconhecido” que lhe disse que “precisava [de] ir com ele”. E que surgiu um segundo homem que lhe “aplicou um golpe de mata leão” e depois mais quatro que o agrediram a soco e pontapés, e o sequestraram numa de três viaturas que se encontravam no local. Após ser agredido dentro do carro ao longo de 15 minutos, por um homem com sotaque brasileiro que seguia a seu lado, as viaturas “pararam numa rotunda e passou um carro da PSP”, em direção a um acidente no acesso à A28. E, numa altura em que os seus alegados agressores tentaram mudá-lo de viatura, escapou e foi pedir ajuda à PSP, tendo sido transportado para o hospital para ser tratado aos ferimentos que apresentava. Segundo o triplo homicida, os seus agressores “não deram explicação” para a situação, apenas “disseram que o queriam matar e enterrar”.
Telemóvel compromete Bianchi
Em tribunal, esta quarta-feira, a procuradora do MP referiu que a triangulação do telemóvel de Hélder Bianchi feita pela Polícia Judiciária, permitiu implicá-lo no caso, dado que o seu percurso, no dia 2 de julho, concidiu com os passos relatados por Rui Amorim na fase de inquérito.
O caso terá acontecido durante uma saída precária de Rui Amorim do estabelecimento prisional de Coimbra e no dia seguinte ao seu encontro, na Póvoa de Varzim, com “Trico”, que “nunca mais deu notícias” [o triplo homicida foi entretanto absolvido do homicídio de "Trico"] .
Segundo a acusação, Hélder Bianchi começou por procurar Rui Amorim, juntamente com a mulher do desaparecido [Cláudia], tendo-se encontrado com ele num centro comercial da cidade de Viana do Castelo. Mas, não satisfeito com as explicação ouvidas, voltou depois para o sequestrar e pressioná-lo a esclarecer o paradeiro de "Trico".
Na primeira sessão do julgamento, depuseram dois agentes da PSP, que socorreram Rui Amorim, no dia do alegado sequestro, na zona de um acidente na A28. Ambos confirmaram que este se apresentava “ensanguentado” e calçado apenas com uma sapatilha, e que contou ter sido agredido.
Um agente [Marcos] referiu ter visto no local um carro de matricula espanhola, com indivíduos a gesticular dentro, e que desapareceu após o pedido de socorro de Rui.
Receava que fizessem mal à mãe
A agente da PSP [Carla] que acompanhou o ferido ao hospital, relatou que este “estava preocupado com a mãe, tinha medo que lhe fizessem mal”, e lhe pediu o telefone para a poder contactar. Durante a chamada, ter-lhe-á dito que as agressões poderiam estar relacionadas com uma sua namorada brasileira ou familiares.
O tribunal tentou, se êxito, ouvir nesta sessão, por videoconferência em direto da prisão de Nanterre (França), Francisco Martins, de alcunha “Zé Francês”, tido como um dos maiores traficantes de droga portugueses, que alegadamente terá acompanhado Rui Amorim na ida ao shopping ao encontro de Bianchi e a mulher de “Trico”. O seu testemunho será ouvido, em princípio, na próxima sessão marcada para 10 de outubro.