O presidente do conselho de administração do BPI, Fernando Ulrich, manifestou-se esta terça-feira desagradado com algumas questões na inquirição como testemunha no julgamento do processo BES/GES e sublinhou que não é ele nem o BPI que estão a ser julgados.
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Na sessão realizada no Juízo Central Criminal de Lisboa, o atual "chairman" do BPI começou por expressar algumas reservas face ao risco de violação do sigilo bancário que pudesse estar em causa nas respostas às questões do Ministério Público (MP). Depois de ser questionado sobre as relações que existiram entre o BPI e a sociedade ESI (holding do GES para as áreas financeira e não financeira), Ulrich questionou a validade da questão.
"Não sou eu que estou a ser julgado, nem o BPI. Essa pergunta serve para quê? O que é que eu tenho de vir aqui justificar nas relações do BPI com essa empresa?", questionou.
Reconhecendo que houve relações de crédito de cerca de 100 milhões de euros entre o BPI e a ESI, Fernando Ulrich criticou o MP, ao aludir aos valores das perdas registadas com o colapso do Grupo Espírito Santo (GES).
"Faz-me muita impressão esse caminho. O que temos perante nós é que os acionistas do BES perderam em valor contabilístico 7,3 mil milhões de euros, os obrigacionistas perderam 2,5 mil milhões de euros, o Fundo de Resolução (FdR) já meteu 8,5 mil milhões... Estamos a falar de prejuízos causados a diversas entidades de 18 mil milhões e a senhora está a perguntar-me de relações de crédito de 100 milhões de euros... por este andar daqui a 10 anos ainda cá estão. O que é que interessa o que me está a perguntar quando estouraram 18 mil milhões?", frisou.
Fernando Ulrich foi questionado por diversas vezes sobre determinados documentos do BPI acerca da ESI e insistiu que não tinha nada a acrescentar ao que estava escrito e assumiu a responsabilidade, mesmo que não tivesse a assinatura, uma vez que diziam respeito ao tempo em que era o presidente executivo do BPI.
"Não tenho nada a acrescentar ao que está aqui escrito... Não havia contas consolidadas, a maior parte das entidades estavam fora de Portugal. Já disse que conheço tudo e mesmo que não conhecesse, enquanto fui presidente da comissão executiva, assino por baixo. Não preciso de ler", observou.
Já na fase de questões dos assistentes, o advogado Miguel Pereira Coutinho, mandatário do BES em Liquidação interrogou Fernando Ulrich sobre a falta de transparência das contas no GES, sobre o que lhe tinha sido transmitido acerca desta matéria e de que forma essa situação poderia colocar problemas ao BPI, ao que o 'chairman' do BPI recusou taxativamente responder.
"Desculpe lá, não respondo a esta pergunta. É uma pergunta opinativa e não vou dar a opinião. Não sei o que estou aqui a fazer", reiterou Ulrich, numa audição que continua a decorrer no tribunal.
Contribuintes não suportaram "um cêntimo" da resolução
Fernando Ulrich afirmou também que os contribuintes não gastaram dinheiro com a resolução do BES e defendeu que a responsabilidade do colapso não foi do Banco de Portugal.
"Estouraram 20 'bis' [mil milhões de euros]. Os contribuintes não suportaram nem vão suportar um cêntimo. Quem perdeu foram os acionistas do BES, os obrigacionistas que passaram para o 'banco mau', os bancos - através do Fundo de Resolução - e os clientes que compraram papel comercial", declarou o atual "chairman" do BPI.
Fernando Ulrich vincou que só conhece três dos 18 arguidos, ao notar que deviam estar também em julgamento os conselhos de administração do BES e do GES, considerando que a ruína do Grupo Espírito Santo deveria ser tratada judicialmente como "gestão danosa".
"Na altura estava muito preocupado com o impacto que a resolução podia ter para todos os bancos (e para o BPI), poderia ter destruído um terço do nosso capital... e destruiu, mas como foi distribuído por 40 anos tornou-se indolor. Do ponto de vista do interesse público, achei que acabou por ser um problema bem resolvido. Não gostei na altura, mas não houve crise sistémica, não houve fuga de depósitos, não houve perda de confiança na divida soberana portuguesa ou nos bancos", referiu o banqueiro sobre a medida de resolução aplicada ao BES.
Fernando Ulrich criticou o rumo da inquirição e vaticinou que o "julgamento vai durar anos", ao que a presidente do coletivo de juízes, Helena Susano, contrapôs questionando se o 'chairman' do BPI tinha alguma "bola de cristal" e procurou limitar o que designou de "estados de alma" nas respostas de Ulrich. No entanto, o banqueiro expressou ainda dois desejos pessoais para o desfecho deste julgamento.
"Que encontrem soluções que possam compensar - ainda que parcialmente - as vítimas e que possa sair daqui uma pedagogia para as próximas gerações do que não se deve fazer. O governo estava errado, a gestão foi imprudente... e dos arguidos eu só conheço três. Há alguma coisa errada aqui", sintetizou.