Número reflete sinalizações da APAV, mas representa só 30% a 40% dos crimes que ocorrem no país. Em 90% dos casos, abusador é próximo da vítima.
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Quase todos os dias, há uma criança ou um jovem a denunciar crimes sexuais. O número de vítimas sobe há quatro anos e, segundo a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), representa apenas 30% a 40% do total de casos de abusos sexuais, violações ou importunações sexuais de menores, no país.
Os dados recolhidos pela Rede Care, dinamizada pela APAV, mostram ainda que mais de metade dos episódios de violência sexual são praticados em contexto familiar e de forma continuada. E que, em cerca de 90% dos casos, o abusador é alguém próximo da vítima.
O relatório da APAV, ontem conhecido, revela que a equipa da Rede Care prestou apoio especializado a 1599 crianças e jovens vítimas de violência sexual, entre 2016 e 2020. Um número que indica que, mensalmente, são denunciados 27 crimes sexuais sobre menores. Quase uma vítima por dia. "E não chegamos a todas. Há casos denunciados às autoridades que não conhecemos e ainda há os que continuam ocultos. Há estudos que dizem que 60% a 70% das situações de violência sexual contra menores não são revelados", refere Carla Ferreira.
A gestora da Rede Care destaca também o crescimento do número de vítimas anuais registado ao longo dos últimos quatro anos. Em 2016, foram sinalizadas 195 vítimas e, no ano passado, 432. Esta estatística confirma uma realidade dura relativamente a esta criminalidade, mas, segundo Carla Ferreira, demonstra também uma maior consciencialização da sociedade para esta problemática. "As pessoas estão mais atentas e mais conscientes de que é preciso agir depressa. Há cada vez mais denúncias", explica. E, de facto, 31,3% das denúncias efetuadas à APAV partiram de familiares e amigos das vítimas.
Contudo, foi igualmente no seio familiar ou no círculo íntimo da vítima que a maioria dos abusos sexuais aconteceram. "Mais de 90% dos abusadores são pessoas próximas das vítimas. Este é um crime de oportunidade e facilitado pela proximidade entre criminoso e a criança", justifica a técnica. A estatística da APAV permite ainda concluir que 90,5% dos abusadores são homens e que 6,5% violaram o menor.
Carla Ferreira acrescenta que a pandemia influenciou os dados de 2020 e que a um menor número de crimes contra a liberdade sexual correspondeu uma subida dos crimes de pornografia de menores e posterior aliciamento para fins sexuais. Cometidos, quase sempre, através da Internet.
Apoio em risco devido à falta de financiamento
Com uma equipa composta atualmente por 15 técnicos, a Rede Care foi criada em 2016 com o financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian. No ano seguinte, passou a beneficiar do apoio financeiro do Iniciativa Portugal Inovação Social, que recorre a dinheiro do Fundo Social Europeu. Mas o projeto só tem financiamento garantido até ao próximo ano. "Esta é uma resposta necessária, que se move pelo país, mas que tememos que deixe de existir após 2022", avisa Carla Ferreira.