As alegações finais do julgamento dos 28 arguidos do processo das casas de Pedrógão Grande prosseguem no dia 25, na Batalha. O caso está a ser julgado por um coletivo de juízes do Tribunal de Leiria.
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Advogado de Bruno Gomes, um dos principais arguidos do julgamento das casas de Pedrógão Grande, Victor Faria disse esta manhã que "Valdemar Alves [ex-presidente da Câmara de Pedrógão Grande] e Bruno Gomes [ex-vereador] saem deste processo de mãos limpas, tal como entraram".
"Houve uma falha imensa da acusação, ao procurar bodes expiatórios para poder transmitir os impulsos mediáticos de mostrar que estão aqui os culpados", acusou Victor Faria. "Devia apreciar o todo, e não uma investigação sectorizada. Todos devíamos ler a auditoria do Tribunal de Contas para podermos sorrir em relação à acusação, que foi absolutamente desconsiderada."
Valdemar Alves e Bruno Gomes estão pronunciados por 20 crimes de prevaricação de titular de cargo político, 20 crimes de falsificação de documento e 20 crimes de burla qualificada.
Em defesa do seu cliente, Victor Faria disse que "Bruno Gomes não retirou de todo este processo qualquer tipo de vantagem, nem um cêntimo que fosse", afirmação que sustentou nas conclusões tiradas "após exaustivas investigações", e que disse estar plasmada na acusação do Ministério Público (MP).
Ao longo de mais de duas horas de alegações finais, o advogado de Bruno Gomes desmontou os argumentos da procuradora do MP. "Reportou em muitíssimas situações depoimentos de testemunhas em inquérito, que nada têm nada a ver com o que disseram em audiência de julgamento."
"Entrou numa viagem quando está no seu termo, não tendo assistido à produção de prova que teria conduzido a uma posição num caminho diverso", afirmou Victor Faria, em resposta ao facto de a procuradora ter pedido a condenação de Valdemar Alves e de Bruno Gomes a penas de prisão efetivas.
Victor Faria destacou os testemunhos de Carina Costa, técnica do Gabinete Operacional de Recuperação e Reconstrução (GORR) de Pedrógão Grande, e de Victor Reis, ex-presidente do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana, a quem se referiu como "estrelas polares do firmamento acusatório, que não deram qualquer contributo ao MP".
"Não fosse Carina Costa e seguramente o Bruno não estaria ali sentado", disse o advogado do arguido. "Há frases que se repetem "sic" em todas as testemunhas, porque as perguntas [em fase de inquérito] foram feitas de uma forma indutora. E a senhora procuradora bem o sabe", alegou. "O depoimento de Carina Costa foi um flop. Nada se provou ou aproveitou no sentido de cimentar factos da acusação."
Além de ter assegurado que Bruno Gomes era apenas colaborador, e não coordenador do GORR, pelo que "não dava ordens", Victor Faria recordou que uma das testemunhas disse que os pareceres eram elaborados por Carina Costa. Quanto à distinção entre primeiras e segundas habitações, considerou que o próprio MP devia ter feito uma lista de habitações prioritárias, para aferir em que casos é que a lei foi violada.
Apoios à agricultura "irregulares"
Apesar disso, o advogado de Bruno Gomes defendeu que não havia qualquer critério de exclusão de habitações. "O regulamento de gestão do Fundo Revita estabelece que o critério de prioridade afasta a ideia de exclusividade e prevê o apoio a outras necessidades, em função de uma avaliação casuística e da disponibilidade financeira", argumentou. Em contrapartida, sublinhou que os apoios à agricultura foram concedidos de uma forma "irregular".
"Os apoios à agricultura foram concedidos sem processo de transparência, sem fundamentação e sem ouvir as autarquias", acrescentou Victor Faria. "De todo o dinheiro arrecadado pelo Fundo Revita para habitações, sai 58% para agricultura, deixando o fundo à mingua."
No entanto, recordou que nenhuma habitação ficou por recuperar, após os incêndios de 17 de junho de 2017. "Não houve velhinhos, nem criancinhas na rua por desrespeito das prioridades, nem queixas de ninguém por não receber apoio", afirmou, em resposta às alegações finais da procuradora do MP. "As doações foram imensas. Havia de sobejo para apoiar todas as habitações."
Quanto à acusação do MP de que Bruno Gomes teria cometido o crime de burla para tirar "proveitos políticos", Victor Faria esclareceu que o arguido estava "desencantado" e não tinha pretensões políticas. A este propósito, referiu ainda que para ser considerado crime de burla a vantagem teria de ser económica. "O crime de burla é afogado nas próprias águas revoltas do despacho acusatório."
Confiante na absolvição do seu cliente, Victor Faria sublinhou que "todas as casas têm consagrada na lei o direito ao apoio" e que "é falso que o fundo não estivesse dotado de dinheiro para fazer face àquelas casas. Havia dinheiro de sobejo para a reconstrução de tudo."
Já o advogado do ex-autarca de Pedrógão Grande, Bolota Belchior, centrou a sua defesa na área do direito administrativo. "Os 20 crimes vêm referenciados no âmbito do estatuto dos eleitos locais. Na realidade, Valdemar Alves era presidente da Câmara, mas isso nada tinha a ver com o Fundo Revita", afirmou. "O diploma legal do Fundo Revita fala em apoio técnico e logístico. Apoio não é a condução, não é a tomada de decisão. A acusação não tem qualquer tipo de suporte legal."
Bolota Belchior recordou, por outro lado, que o regulamento do Fundo Revita não foi publicado em Diário da República, o que considerou fragilizar a acusação. "Ninguém é obrigado a seguir um regulamento que não é publicado em Diário da República, pois não existe no ordenamento jurídico."
"Deficiência patológica" da acusação
"O diploma legal criador do Fundo Revita não referencia nenhuma ordem de prioridade [primeiras ou segundas habitações]. Apenas refere que os apoios serão dados à reconstrução das habitações e a outras necessidades de apoio devidamente identificada", sublinhou o advogado de Valdemar Alves. "Só uma portaria regulamenta a aplicação desses subsídios." Como tal, considerou que "há uma deficiência patológica da acusação".
Além disso, Bolota Belchior sublinhou que "o Fundo Revita não podia usar o dinheiro dos donativos para a atribuição de subsídios aos agricultores", o que causou um "prejuízo" de cerca de 947 mil euros. "Na acusação é referido que o facto de Valdemar Alves ter intervindo naqueles processos em prejuízo da construção de habitações que não fossem permanentes, prejudicando outras pessoas, e que em setembro já não havia dinheiro para pagar."
"Na verdade, sempre houve dinheiro para a reconstrução das casas. O próprio Fernando Lopes [ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera] diz que, quando saiu, havia dinheiro para reconstruir todas as casas. É falso que alguém tivesse sido prejudicado", defendeu o advogado. Aliás, garantiu que, em setembro de 2021, o saldo era de 3,7 milhões. "O processo nasceu e morreu no Fundo Revita. Nada tem que ver com Valdemar Alves. Na realidade, estes processos não eram da autarquia, que só dava apoio administrativo e técnico."
"A factualidade e a tese da acusação acabam por não ter consequência. Esbarra em normas legais", argumentou Bolota Belchior. "Todo este labirinto só pode ter como única saída a absolvição dos arguidos, designadamente de Valdemar Alves", alegou.