Valentina gostava de ir à casa do pai "porque tinha o irmão pequeno para brincar"
Valentina, de nove anos, terá sido assassinada em casa pelo pai e pela madrasta. População está incrédula e revoltada.
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É com uma gargalhada triste entre as lágrimas contidas a custo que João Silvestre, de 73 anos, relembra o dia em que a sobrinha-neta, Valentina, se fechou involuntariamente na despensa de sua casa ao brincar com um gato. "Ficou zangada! Pensou que tinha sido eu a fechar a porta", conta o idoso, antes de, apoiado numa bengala, continuar a transmitir aos moradores no bairro dos Matinhos, no Bombarral, o que sabe sobre a morte e o funeral da menina de nove anos.
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Valentina terá sido assassinada na quarta-feira pelo pai, Sandro Bernardo, de 32 anos, e a mulher deste, Márcia, de 38. O casal, já detido pela Polícia Judiciária, devia ter sido interrogado ontem por um juiz, mas a diligência realiza-se esta terça-feira. Além de matarem a criança, são suspeitos de terem abandonado o seu corpo num pinhal a seis quilómetros da sua habitação, onde terá ocorrido o crime.
Um dia depois de o cadáver ter sido descoberto, eram sobretudo a incredulidade e a revolta que dominavam as conversas nas localidades por onde a menina dividia o seu tempo. Filha de pais separados, Valentina vivia com a mãe no Bombarral, mas encontrava-se a passar um período mais longo do que habitual com o pai, por não ter escola, encerrada desde meados de março para evitar a propagação da covid-19.
Sem amigos na Atouguia
"A mãe tinha de trabalhar", desabafa, ao JN, João Silvestre, a quem a sobrinha terá dito que, com a morte da filha, perdera uma parte de si. No bairro do Capitão, na Atouguia da Baleia, Valentina partilhava uma vivenda com o pai, a madrasta, o filho desta, de 12 anos, e dois meios-irmãos mais novos, um dos quais ainda bebé.
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"Ela gostava muito de ir para lá, porque tinha o irmão pequeno. Aqui não tinha ninguém com quem brincar", garante, acrescentando que, por norma, era a madrasta quem ia buscar a menina a casa da mãe.
No bairro do Capitão, é, porém, difícil encontrar quem admita conhecer a família. "Eram pessoas reservadas", afirma António Farto, de 65 anos, residente a escassos metros da habitação de Sandro e Márcia.
Pescador reformado, foi um dos muitos populares que, durante quatro dias, ajudaram a procurar Valentina, ainda que, até então, se lembrasse apenas de a ter visto ir ao pão. "Disse-me bom-dia", recorda, a incredulidade a transformar-se rapidamente em revolta.
"Homem ou animal?"
"Aqui não se fala de outra coisa. Querem que ele [o pai da criança] seja entregue ao povo", confirma, sob anonimato, a funcionária de um café de Atouguia de Baleia. No Bombarral, o sentimento é semelhante. "É um homem ou é um animal?", atira, de supetão, João Silvestre, sem conseguir compreender o que poderá ter levado um homem a matar a filha e a esconder o corpo.
"Estamos todos de rastos", desabafa, verbalizando uma dor que extravasa o seio familiar. Na escola que Valentina frequentava, uma funcionária emociona-se ao ouvir o nome da menina. No portão, um arco-íris pintado pelas crianças diz que "vai ficar tudo bem". Mas, ao seu lado, duas flores ali colocadas em homenagem à menina indiciam que não foi assim.