O vice-presidente da Câmara de Barcelos, Domingos Pereira, foi condenado, esta quinta-feira, a perda de mandato, no processo em que recebeu um envelope com dez mil euros para arranjar "um emprego para a vida" a um ex-assessor. O Tribunal de Braga deu como provado um crime de corrupção passiva para ato ilícito, condenando também o arguido numa pena de prisão de dois anos e dez meses, que será suspensa se aquele pagar cinco mil euros, no prazo de meio ano, a uma instituição particular de solidariedade social.
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A comerciante barcelense Maria José Figueiredo, que fez chegar o envelope com os dez mil euros ao número dois da Câmara de Barcelos foi condenada a um ano e meio de prisão, pena igualmente suspensa na sua execução.
Os dez mil euros que estavam no envelope apreendido pela Polícia Judiciária, há quatro anos, foram declarados perdidos a favor do Estado, ainda por decisão da Instância Central Criminal de Braga.
A juíza-presidente do Tribunal Criminal de Braga destacou "a gravidade deste tipo de crimes", mesmo reconhecendo que o vice-presidente da Câmara aceitou o envelope com os dez mil euros mas não deu a contrapartida, isto é, "um emprego para a vida" ao ex-assessor que era filho da comerciante que entregou o dinheiro.
Domingos Ribeiro Pereira, antigo deputado e ex-autarca do PS que agora é vice-presidente da câmara como independente, respondia pela acusação de corrupção passiva pelo chamado caso do envelope, que a PJ lhe apreendeu em julho de 2018.
Segundo o Ministério Público, o arguido teria aceitado dez mil euros da comerciante Maria José Figueiredo, mãe de um antigo assessor de Domingos na Câmara Municipal de Barcelos, José Figueiredo.
No primeiro mandato (2009-2013) de Domingos Pereira como vereador, José Figueiredo foi secretário da autarquia, tendo assumido este lugar por nomeação pessoal de Domingos Pereira, que não foi renovada no seu segundo mandato (2013-2017).
Segundo a acusação, a mãe do jurista terá feito chegar o envelope com dez mil euros para que assim Domingos Pereira contratasse o filho a termo definitivo, de forma que integrasse o quadro da autarquia e não dependesse de nomeações partidárias, isto é, garantir ao filho "um emprego para toda a vida".
Durante o julgamento, na Instância Central Criminal de Braga, Domingos Pereira, assumiu ter sido destinatário do dinheiro, entregue em 25 de janeiro de 2016, mas garante que não acedeu ao pedido de Maria José Figueiredo.
O autarca assumiu que nunca chegara a devolver o dinheiro, porque a sua família e a daquela mulher eram próximas, e a eventual devolução seria constrangedora e interpretada quase como um desaforo, justificou.
Domingos Pereira referiu no Tribunal de Braga ter combinado com os filhos que, se fosse vítima de uma fatalidade, não deveriam gastar aquele dinheiro e, finalmente, deveriam devolvê-lo sempre a Maria José Figueiredo, a "ofertante".
Domingos Pereira nunca gastou o dinheiro, que acabou por ser encontrado num armário da sua casa dois anos e meio depois de o ter recebido, nas referidas buscas da Polícia Judiciária de Braga, que se relacionavam com outros factos.
O autarca terá anotado no próprio envelope que o recebera em 25 de janeiro de 2016 para empregar o filho de Maria José Figueiredo na Câmara Municipal de Barcelos.
A versão de Domingos Pereira foi integralmente corroborada, em julgamento, pelos seus dois filhos, o médico cardiologista Vítor Hugo Pereira e a técnica superior Ana Filipa Pereira. Segundo estes, a antiga comerciante Maria José Figueiredo terá posto o envelope com dez mil euros dentro de uma saca com peças de crochê que era destinada à esposa do autarca em janeiro de 2016, que deixou na Câmara Municipal de Barcelos.
A testemunha Elisabete Barreto da Silva, inspetora tributária e aduaneira, também defendeu, perante o Tribunal Coletivo, que Domingos Pereira seria incapaz de se deixar corromper.
A inspetora tributária fez parte do movimento cívico independente que levou à reeleição do autarca, nas eleições de 26 de setembro de 2021, e está convencida de que ele "não aceitaria nada de ninguém, aliás, "pagou toda a campanha do seu próprio bolso".
Também em defesa do arguido, funcionárias camarárias e o ex-vereador barcelense José Carlos Sousa Brito salientaram, por seu turno, que o eventual regresso do jurista José Figueiredo à Câmara Municipal de Barcelos era "impossível", porque este "nunca se adaptou às suas funções e tinha um mau feitio". "Ele não gostava de trabalhar e era um menino da mamã, não se lhe podia dizer nada", comentou a testemunha Maria da Conceição, funcionária administrativa da câmara há mais de 30 anos.
A antiga comerciante Maria José Figueiredo estava acusada de corrupção ativa, mas nunca prestou declarações e tendo idade avançada, está dispensada de comparecer no julgamento.
A diligência de busca em que a PJ de Braga apreendeu o envelope com os dez mil euros foi realizada por conta de uma investigação sobre o alegado favorecimento de uma empresa de segurança privada e em que já são arguidos, entre outros, o ex-presidente da Câmara de Barcelos Miguel Costa Gomes e a ex-vereadora Armandina Saleiro. Foi esta que, em 06 de maio de 2016, substituiu na vice-presidência da autarquia Domingos Pereira, a quem Miguel Costa Gomes retirou então a confiança política.
Autarca mantém a "confiança pessoal e institucional" no vice
Mário Constantino já reagiu à condenação e garantiu que mantém a "confiança" em Domingos Pereira. Em comunicado, o edil barcelense diz que "os pressupostos que estiveram na base da "Coligação Barcelos Mais Futuro" mantêm-se inalterados". Por outro lado, recorda que, "desde a primeira hora", o vice-presidente "vem afirmando a sua inocência".
Nesse sentido, o autarca afirma que "mantém a confiança pessoal e institucional" em Domingos Pereira. "A Justiça tem o seu tempo. Não estando terminado o percurso, e havendo recurso a interpor daquela decisão judicial, a presidência da Câmara de Barcelos aguarda serenamente o veredito final deste caso", conclui.