O professor universitário e ativista anticorrupção criticou gastos de político angolano com vestidos para o casamento da filha. Bornito de Sousa e a filha avançaram com uma queixa-crime. Dia 16 sabe-se se haverá ou não julgamento.
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Em janeiro de 2020, Paulo Morais disse nas redes sociais e numa entrevista televisiva que era uma "agressividade" e "selvajaria" gastar 200 mil dólares em vestidos de casamento quando havia gente a morrer de fome em Angola. E apelidou a filha do governante como "a nova princesa de Angola", numa alusão a Isabel dos Santos, filha do anterior presidente, Eduardo dos Santos.
Bornito de Sousa, vice-presidente de Angola, e a filha Naulila sentiram-se ofendidos e avançaram com uma queixa crime contra Paulo de Morais por difamação agravada. O Ministério Público decidiu acompanhar a queixa e a defesa requereu a instrução do processo.
Esta manhã de quarta-feira, no debate instrutório que se realizou no Tribunal de Instrução Criminal do Porto, o advogado do professor universitário e ex-candidato à Presidência da República defendeu a veracidade e o interesse público das afirmações realizadas. Já o representante da família acusou Paulo Morais de faltar à verdade e de preconceito contra os angolanos.
A sessão judicial foi acompanhada presencialmente por dois representantes do estado angolano.
"Não vale tudo"
Paulo de Moura Marques avançou que o "desejo de protagonismo" do professor universitário talvez o levasse a "comentar tudo e mais alguma coisa" mas "não vale tudo". O advogado acusou Paulo de Morais de tentar conotar o seu cliente com práticas do anterior regime e que ainda "aditou ofensas próprias como dizer que usam um poder selvagem".
No seu entender, esta é uma expressão "preconceituosa" dirigida a "pessoas africanas, de outra raça, e compara-as com práticas canibais da savana como se fossem pessoas incivilizadas. Isto é ofensa gratuita, não é liberdade de expressão. Há limites para a liberdade de expressão e o arguido atravessou-os", terminou pedindo que o caso avance para julgamento.
Declarações "correspondem à verdade"
Por sua vez, o advogado de Paulo de Morais assegurou que as declarações feitas pelo seu cliente "correspondem à verdade" e revestem-se de interesse público. Desde logo, tomou como verdadeiro o que foi divulgado num programa televisivo - feito "obviamente com a colaboração e no interesse da ofendida" - que documentou a compra dos vestidos de noiva em 2014. Nele, a ofendida diz que "quer ser uma princesa" e a costureira diz que ela "faz parte da realeza angolana". Depois, o apresentador diz que gastou mais de 200 mil dólares em vestidos e que ia ter o maior casamento de sempre em Angola com 800 convidados.
"Não houve nenhuma reação da ofendida ao cálculo de 200 mil dólares e não dizem onde terão desmentido isto", acrescentou. Carlos Cal Brandão reconhece que houve uma transição política, mas recordou que Bornito de Sousa é uma pessoa "ligada ao regime" e que "desde a independência de Angola até hoje sempre teve lugares de destaque quer no poder político que no poder militar".
São "pessoas públicas em Angola e porventura em Portugal" e os direitos das pessoas públicas são naturalmente comprimidos. O causídico ainda defendeu a nulidade da recolha de depoimentos de testemunhas e ofendidos em Angola que não foram feitas presencialmente no notário e apenas validadas por reconhecimento de assinatura. "Foram violadas todas as normas do ato de inquérito", afirmou.
Antes, o Ministério Público já havia justificado ter acompanhado a acusação particular por considerar que o que Paulo de Morais "publicou nas redes sociais, para além de ser deselegante para os assistentes, carrega um sentido injurioso para com a sua honra". É certo que o tema "é de interesse público, mas imputa a terceiros a prática de crimes sem fazer prova dos mesmos" e isso extravasa a liberdade de opinião, terminou o procurador defendendo que o processo siga para tribunal.
A juíza Cristina Malheiro irá comunicar a sua decisão na tarde de 16 de novembro.
Caso começou em 2020
As observações de Paulo de Morais que deram origem ao processo "Vestidos de noiva" centram-se em janeiro de 2020, numa rede social e num canal televisivo, sendo posteriormente reafirmadas, apesar dos pedidos dos queixosos para que se retratasse.
O dirigente da Frente Cívica portuguesa reafirmou na sua página oficial da rede Facebook: "Os factos que revelo nestas comunicações que tenho feito sobre o assunto são objetivos, comprováveis. As opiniões que eu emito sobre esses factos, emito-as no uso de um direito constitucional, que é o meu direito de liberdade de expressão. Não altero, retiro ou acrescento nada ao que disse".
Mais tarde, em declarações à cadeia alemã Deutsche Welle (serviço em português para África), disse: "Num país em que há gente a morrer na rua de fome e de doença, um país que tem das maiores taxas de mortalidade infantil do mundo, um dos países que tem das mais baixas esperanças de vida à nascença do mundo, o vice-presidente do país gastar no vestido da filha, no seu casamento, cerca de 200 mil dólares (...), acho isto uma agressividade, eu acho isto até um selvajaria relativamente a um povo que o vice-presidente do seu país tem que respeitar".
Em março de 2021, o Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto acompanhou a acusação particular, na qual é exigida ao dirigente da Frente Cívica portuguesa uma indemnização de 750 mil euros. E Morais requereu a instrução do processo agora em curso.