Vídeo de militar a violar jovem foi enviado para superior do Exército, que nada fez. Agora é GNR
Uma das pessoas a quem um primeiro-cabo do Exército enviou um vídeo em que surgia a violar uma jovem não era um mero camarada, mas sim “seu superior” na instituição militar. Esta testemunha, que na hierarquia ocupava uma posição mais elevada, admitiu, no entanto, que nada fez nessa qualidade para denunciar o crime.
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No depoimento que prestou sob juramento, no Tribunal da Guarda, onde o caso foi julgado inicialmente, este responsável - que agora é militar da GNR - confirmou que foi colega do arguido no Exército, cerca de um ano e meio, e tinha conversas individuais, e não em grupo, com Jorge L., condenado, no mês passado, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, a sete anos de prisão por, em 2022, ter violado uma mulher, durante hora e meia, filmado a agressão sexual e partilhado os vídeos num grupo de WhatsApp com colegas da tropa e ainda com um amigo de infância, tal como o JN avançou no sábado.
Esta testemunha disse que o primeiro-cabo, a dada altura, enviou-lhe um dos vídeos da agressão sexual, que garante ter eliminado. E que essa havia sido a única vez que ele lhe havia partilhado conteúdos daquela natureza. Testemunhou ainda, perante o coletivo, que, apesar de ser seu superior, nada fez nessa qualidade para denunciar o seu subordinado. Prestou ainda depoimento relativamente às condições pessoais do arguido.
O JN questionou o Exército para saber qual era, à data dos factos, a categoria e posto deste "superior" referido no acórdão da Relação e se, já estando fora da instituição (uma vez que é militar da GNR) poderia ainda ser alvo de eventual processo competente. Perguntou também por que é que na sequência das declarações que prestara no Tribunal da Guarda, em 2024 - onde confirmou que era superior do primeiro-cabo e assumiu nada ter feito nessa qualidade - não foi alvo de um processo de averiguações.
Mas, oficialmente, até agora o Exército nada disse, limitando-se a adiantar que, consoante o que for apurado no processo disciplinar em curso instaurado contra o militar agora condenado em duas instâncias - e que possui, à data, um vínculo contratual sob a forma de regime de contrato - poderão ser desencadeados outros processos de natureza semelhante.
No recurso que intentou para o Tribunal da Relação de Coimbra da decisão do Tribunal da Guarda (que o condenara, inicialmente, a sete anos e meio de prisão por violação e devassa da vida privada), Jorge L. alegava que "em momento algum" das gravações se via a vítima a dizer para o militar “parar de fazer o que estivesse a fazer, a pedir ajuda, a ser ameaçada ou a ser fisicamente constrangida para realização de ato sexual". Sustentava também que, aquando das filmagens, sempre salvaguardou a identidade da vítima, "tapando-lhe o rosto e, assim, impedindo a sua identificação por terceiros".
Entendimento diferente tiveram as juízas desembargadoras Alexandra Guiné, Sara Reis Marques e Sandra Ferreira que consideraram que o que "se pode perceber da visualização e audição das gravações efetuadas pelo arguido - e que, reitere-se, não se reportam às condutas, por inteiro, no seu todo, mas a alguns momentos destas - é a vítima encontrar-se em enorme esforço físico face aos atos infligidos; sem adotar quaisquer comportamentos que minimamente indiciem iniciativa própria; sem emitir quaisquer sons ou outras manifestações que sugiram qualquer colaboração/agrado/excitação e a obedecer/sujeitar-se às ordens que em tom autoritário são dadas pelo arguido."
“Mato-te e violo-te depois de morta”
O caso remonta a 11 de março de 2022. Após o jantar, o 1.º cabo do Exército Jorge L. enviou, através da rede social Instagram, várias mensagens à vítima, então com 25 anos e que conhecera quatro meses antes quando ambos trabalhavam numa exploração agrícola, pedindo-lhe para ir a sua casa. Queria receber um abraço, disse. A mulher disse que não, mas, face à insistência, acabou por ceder.
Quando o praça do Exército chegou, a vítima abriu-lhe a porta, e aquele dirigiu-se de imediato ao quarto da mulher, agarrando-a pelo pescoço. “Se não fizeres o que eu quero, mato-te e violo-te depois de morta”, ameaçou. A vítima tentou libertar-se, sem sucesso.
O militar atirou-a para cima da cama e despiu-a. Também se despiu e pôs um preservativo, antes de a forçar a sexo vaginal. Face à violência com que praticava o ato, a mulher sofreu uma hemorragia. Quando deu conta do sangramento, o agressor foi limpar-se à casa de banho, mas, ao regressar, já sem preservativo, retomou a agressão. Apercebendo-se de que a hemorragia não parava, voltou a limpar-se e a forçar a vítima, desta vez a sexo oral, enquanto fumava um cigarro, e depois a sexo anal, até ejacular. Enquanto isso, ia filmando a vítima, subjugada, com o telemóvel. No fim, limpou-se e foi embora.
A mulher foi para o hospital, enquanto o militar decidiu partilhar as gravações com os colegas do Exército e um amigo de infância.