O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) agravou para 20 anos de prisão a pena de uma mulher de 36 anos que havia sido condenada pela morte dos seus dois filhos recém-nascidos, em Cascais. Em 2010, já tinha abandonado um filho recém-nascido junto a um caixote do lixo, mas beneficiou de uma suspensão provisória do processo.
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A pena inicial do Tribunal de Cascais fora de 18 anos de prisão, mas as duas partes recorreram. O Ministério Público considerou que os homicídios deveriam ser qualificados e, em consequência, as penas agravadas. A defesa da arguida pedia uma redução da pena por ter confessado os crimes e manifestado arrependimento, pedido que foi rejeitado.
O caso ocorreu em dezembro de 2021. A mulher, manicura de nacionalidade brasileira, asfixiou e matou os seus dois filhos – um do sexo masculino e outro do sexo feminino – logo após o parto, no interior do seu quarto. Sofreu uma hemorragia forte que obrigou à chamada das autoridades. Enquanto procuravam estancar o sangramento e acalmar a vítima, os bombeiros aperceberam-se do corpo de um bebé no chão, enrolado numas mantas, e outro num caixote de lixo. A vítima foi conduzida ao hospital e a PSP foi chamada.
Matou gémeos com dois filhos no quarto a ver
Apurou-se que a mulher tinha ocultado a gravidez dos familiares, temendo a sua reação. Porém, decidiu levá-la até ao fim e dar à luz, em silêncio e às escuras, sem qualquer apoio médico, no quarto que partilhava com os seus outros dois filhos. E fê-lo com o propósito de matar as crianças que nascessem, apontou o tribunal.
A autópsia comprovou que, logo após o nascimento, a mãe deu pancadas e murros na cabeça e corpo da menina e esganou-a, fazendo de seguida o mesmo ao menino, causando a morte de ambos. Pior: fê-lo em frente aos seus outros dois filhos de 15 e 8 anos de idade que se aperceberam de tudo, tendo até referido que a mãe “sovara muito” os bebés. Após ter alta, a mãe foi detida e colocada em prisão preventiva.
Já abandonara bebé junto ao lixo em 2010
Durante o julgamento, soube-se que, em 2010, a arguida, na altura já com um filho de dois anos, tinha levado uma gravidez até ao fim e, depois, abandonado o recém-nascido à sua sorte, junto de um caixote do lixo. O bebé foi encontrado a tempo e sobreviveu. A mãe foi alvo de um inquérito-crime. Por ser delinquente primária beneficiou de uma suspensão provisória do processo e, consequentemente, ficou com o cadastro limpo.
Depois, fruto de um relacionamento entretanto terminado, teve um terceiro bebé, hoje com oito anos. Os dois filhos, o mais velho com insuficiência hepática e hipoacusia bilateral adquirida, residiam consigo no momento do crime.
Pena agravada de 18 para 20 anos de prisão
Em abril deste ano, a mulher viria a ser condenado a 18 anos de prisão pelo Tribunal de Cascais por dois crimes de homicídio simples e um crime de profanação de cadáver. Tanto o MP como a arguida recorreram. Só o primeiro recurso foi atendido. Os homicídio foram qualificados e agravados, passando a pena para 20 anos de prisão.
Os juízes do STJ concordaram que o crime revestia especial perversidade e censurabilidade e tinha sido cometido por um ascendente direto. Apesar da mãe recusar o parentesco, este não pode ser afastado, pois resulta de um facto objetivo: o nascimento. E o facto de não haver vínculos afetivos, aponta o acórdão, deve-se exclusivamente à mãe ter decidido tirar a vida aos filhos logo após o seu nascimento.
"Horror e repugnância"
“A factualidade apurada dá do crime uma imagem global de tanto horror e repugnância e da arguida uma imagem de personalidade fria, insensível e tão profundamente distanciada do Direito que, necessariamente a sua culpa só encontra reflexo adequado nos parâmetros da especial censurabilidade e perversidade”, lê-se no acórdão do STJ com a data de 23 de novembro.
Para os juízes, a arguida “agiu com dolo direto”, formando o seu propósito com “alguma antecedência”, atuando “com insistência e crueldade, como denotam as agressões por via do desferimento de socos na cabeça e corpo dos seus filhos recém-nascidos, repetindo os golpes e usando a força das mãos para os esganar, apertando-lhes o pescoço até asfixiá-los”.
“A arguida revelou ser detentora de uma personalidade com características altamente censuráveis, que exigem o seu acompanhamento e uma particular necessidade de educação e de apoio, pois adota comportamentos desrespeitadores dos valores em família”, concluíram os juízes conselheiros.