Um estudo da UMAR sobre os casos de violência sexual noticiados em 2021 revela que a maior parte destas agressões são continuadas, ocorrem nas casas da vítima ou do violentador e são oriundas de conhecidos e familiares. Ao todo foram noticiados pela comunicação social escrita online 299 casos.
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"São números preocupantes", considerou esta manhã de segunda-feira Ana Guerreiro, uma das autoras do trabalho. Mais ainda porque o que os estudos têm vindo a dizer é que a criminalidade oculta é, "pelo menos, o triplo" dos casos que chegam às autoridades judiciais e à comunicação social, acrescentou.
Outro dos aspetos realçados pelas autoras do estudo é que - contrariamente ao "mito" de que a violência sexual ocorre de modo pontual, num sítio público e por desconhecidos - ela é maioritariamente praticada de modo continuado e por pessoas próximas das vítimas.
Mais de metade dos casos noticiados (52%) implicaram uma violência sexual exercida de forma continuada, tendo uma duração média superior a três anos. A grande maioria dos agressores pertence ao círculo de amizades da vítima: 42 % são familiares e 42,6% são conhecidos. Quanto ao local, a violência ocorre predominantemente (62,7%) no interior de uma habitação, seja da vítima ou do agressor. Muito depois aparecem os espaços públicos (10,9%), os locais ermos (8,8%) e as escolas (5,4%).
Abuso de poder sempre presente
Analisando os dados qualitativamente, as investigadoras verificaram que o abuso de poder está sempre presente, podendo ser mais ou menos percetível. Nos casos de violência continuada, é praticada por pessoas conhecidas que se aproveitam de uma relação de confiança e recorrem ao aliciamento, à chantagem e à ameaça para concretizar os seus intentos.
Já no caso da violência sexual pontual, está mais presente o recurso à agressão, ao uso da força e à ameaça. Realce ainda para a utilização das redes sociais como um instrumento para criar relações de confiança e para ameaçar.
Contra o "discurso legitimador"
Por fim, o estudo, apresentado esta manhã na Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, destaca que, por vezes, ainda se pratica um discurso legitimador da violência sexual na comunicação destes casos. O uso de expressões que parecem culpabilizar as vítimas, procurando justificações no seu comportamento (consumo de álcool, por exemplo), e desvalorizar o comportamento dos agressores (tinha instintos libidinosos ou ciúmes excessivos, por exemplo).
A presidente da UMAR, Liliana Rodrigues salientou que a violência sexual, tal como a violência doméstica, "é estrutural numa sociedade sexista e patriarcal", daí que seja necessário combater os estereótipos e estas narrativas que procuram justificar a violência. Na sua opinião, é importante apostar na educação dos jovens e também de pessoal profissional qualificado para se intervir na "prevenção primária" destes casos.
Em termos quantitativos, das 299 situações registadas, 50,5% corresponderam a abuso sexual, 42,2% a violações, 5,7% a pornografia infantil e 1,6% a importunação sexual. Na grande maioria dos casos (92%) houve apenas um ofensor que é quase sempre masculino (95%), apresentando uma idade média de 42 anos. Já quanto às vítimas, em 79% dos casos houve apenas uma vítima, sendo que elas são maioritariamente (87%) do sexo feminino. Os distritos com mais casos registados são Lisboa (25%), Porto (11,8%) e Braga (10%).
Mais financiamento e apoios
Da autoria de Ana Guerreiro, Lia Mendes, Luísa Barateiro, Marisa Fernandes, Raissa Atzingen e Tatiana Mendes, este foi o primeiro estudo do género em Portugal. Apesar de já estarem a trabalhar os números deste ano, a presidente da UMAR realça que estudos como este dependem do voluntarismo dos investigadores.
"O financiamento é instável e pouco durável", lamentou Liliana Rodrigues, apelando a maior financiamento e apoios para ajudar a conhecer melhor e erradicar estes números de violência sexual. "É fundamental a construção de um observatório dedicado à violência sexual", defendeu