Organização garante que está a avaliar "todas as opções legais" para contestar decisão que obriga Wikipédia a apagar conteúdo dado como falso pelo tribunal e a identificar autores.
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A Wikimedia Foundation, proprietária da Wikipédia, mostrou-se, esta terça-feira, desapontada com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) que deu razão parcial a César do Paço e obrigou a apagar uma série de “informações inverídicas” sobre o empresário português que tinham sido acrescentadas na plataforma após a exibição da reportagem da SIC “A Grande Ilusão”.
"Estamos desapontados com a decisão, em particular com a recusa do TRL em submeter questões importantes do direito da União Europeia ao Tribunal de Justiça Europeu, incluindo sobre a forma adequada de proteger o anonimato e a liberdade de expressão dos utilizadores em situações como estas", afirmou, esta terça-feira, ao JN, o assessor jurídico associado da Wikimedia Foundation.
Jacob Rogers referia-se ao facto de a organização ter ainda de identificar todos os editores que acrescentaram o conteúdo considerado "inadmissível" porque só assim, argumentaram os juízes desembargadores, César do Paço conseguiria "demandá-los no âmbito de um eventual direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual."
O responsável, que garantiu respeitar e apoiar "as decisões editoriais feitas pela comunidade de editores da Wikipédia em todo o mundo", disse que a plataforma está, por isso, a avaliar "todas as opções legais para contestar esta decisão".
Tal como o JN avançou no passado domingo, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, em acórdão de 13 de julho, que a Wikipédia podia manter as referências que ligavam César do Paço a André Ventura, à doação de 10.480 euros ao Chega ou à participação do empresário num comício deste partido, bem como o apoio a um movimento de extrema-direita conotado com as forças de segurança.
No entanto, terá de apagar as referências que associam o empresário português a um furto ocorrido em 1989, à existência da Fundação DePaço ou à exoneração do cargo de cônsul de Cabo Verde.
Em tribunal, ficou provado que César do Paço nunca foi impedido de obter documentação em Portugal e que foi ele quem pediu a exoneração do cargo de cônsul honorário em Cabo Verde. Além disso, não ficou demonstrada a existência da Fundação DePaço, cujos órgãos sociais seriam, alegadamente, constituídos por membros do Chega, entre eles José Lourenço, ex-presidente da Distrital no Porto, com quem tinha uma relação próxima.
Por isso, argumentaram os desembargadores, as informações "inverídicas deverão ser removidas, não estando provados factos que demonstrem a boa fé por parte dos colaboradores da requerida [Wikipédia] que inseriram tais informações."
Os juízes Luís Filipe Sousa, José Capacete e Carlos Oliveira entenderam que, mesmo que os redatores se socorram de fontes escritas, isso não os exime do dever de boa fé, "sob pena de se poderem propalar impunemente informações falsas desde que originariamente formuladas por terceiro".
Já sobre um alegado crime de furto qualificado que o empresário terá praticado, em 1989, em Lagos, e que chegou a originar uma acusação do Ministério Público, mas não uma condenação, o TRL deu razão a César do Paço que invocou o direito ao esquecimento. "Neste contexto, não pode afirmar-se que a divulgação dos factos alegadamente ocorridos implique mais benefícios para o interesse geral do que prejuízos para o requerente visado pelos mesmos. Formulando um juízo de proporcionalidade, não se mostra necessária a divulgação de tal informação", lê-se na decisão.
Em tribunal ficou ainda provado que a veiculação destas informações falsas nas páginas da Wikipédia causaram "lesão grave dos direitos de personalidade do requerente" que, admite o TRL, serão "dificilmente reparáveis, sendo que a reparação sob a forma de sucedâneo pecuniário nunca os repara integralmente".