Ministério Público arquivou inquérito ao homicídio de jovem estudante na Queima das Fitas de 2013.
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Sousa Melo, procurador da República do Porto, decidiu arquivar o processo da morte do jovem estudante Marlon Correia, assassinado a sangue-frio com dois tiros pelas costas durante o assalto falhado ao cofre que a Federação Académica do Porto (FAP) colocou num contentor junto ao Queimódromo do Porto, ao início da madrugada de 4 de maio de 2013, em plena "Queima das Fitas". Pode ser o epílogo de um ignóbil crime em que foram investigados dois violentos gangues nortenhos - "grupo da Cruz de Pau" (Matosinhos) e o "gangue de Coimbrões", também conhecido por "Grupo de Gaia". Mas, se novas provas surgirem, o caso pode ser reaberto, pois só prescreve em 2035.
Segundo documentos a que o JN teve acesso, a prova reunida pela equipa criada na Polícia Judiciária do Porto foi claramente insuficiente para que a acusação pudesse avançar. Os pais do estudante lamentam, pois esperavam mais "da justiça portuguesa".
Raide relâmpago
Era uma hora quando cinco indivíduos, em dois carros com as luzes apagadas, entraram pelo Parque da Cidade, cortaram a rede do recinto da "Queima" e correram para os contentores, num dos quais sabiam existir um cofre da FAP com o apuro da venda de bilhetes que poderia ultrapassar os 100 mil euros. Àquela hora, junto dos contentores e das bilheteiras, estavam dezenas de estudantes, entre dirigentes da FAP e voluntários como Marlon Correia, que acabavam de contar e entregar o dinheiro.
Eram exatamente 1.15 horas quando o grupo atacou. Um deles, empunhado uma shotgun, atingiu um segurança da empresa SPDE. Os restantes começaram aos tiros e a gritar pelo cofre. Houve debandada geral. Ao todo, os assaltantes terão feito 20 disparos, dois dos quais, pelo mesmo homem, mataram Marlon que lhe fugia sem indicar onde estava o cofre. Foi atingido nos pulmões e no coração.
Foi nesta altura que os bandidos, um deles envergando um colete de "polícia", se aperceberam de que o comparsa que deixaram de vigia acabara de disparar (sobre outro segurança). Temeram que fosse a Polícia a chegar e fugiram.
Nas horas seguintes, a PJ deteve alguns elementos do "gangue da Cruz de Pau", mas, ao princípio da manhã, quando começaram a chegar advogados, tiveram de os soltar. A partir daí, foram meses de escutas, vigilâncias e buscas que não resultaram em nada. Mais tarde, a PJ admitiria que aqueles indivíduos não tinham "capacidade operacional", nem "coesão", para tal assalto.
Surgiu outro grupo de suspeitos, o "gangue de Coimbrões", ou "grupo de Gaia". A descrição física, o armamento e a organização serviam-lhes como uma luva. Mas todas as diligências, incluindo perícias às armas, não os comprometeu. Acabariam detidos em março de 2019, em flagrante assalto a um banco, em Lousada.
Sem qualquer indício credível e face à negação ou silêncio dos membros dos dois gangues, que foram constituídos arguidos, ao procurador do Porto outra solução não parece ter restado que ordenar o arquivamento.
"Continuamos a ser nós os únicos condenados"
Jacinto Correia, o pai de Marlon, recebeu, na segunda-feira, com grande tristeza a notificação do Ministério Público a dar conta do arquivamento. "Foram nove anos à espera de um bocadinho de justiça para o meu filho. Em vão", disse Jacinto ao JN. Desalentado e descrente, até perdeu a vontade de se opor ao arquivamento. "Estou cansado. Tenho aguardado em silêncio e sem protestos e, mesmo assim, continuamos a ser nós os únicos condenados. O que aconteceria se eu fosse contra o procurador que arquivou? Esta triste experiência aconselha-me a não fazer mais nada", acrescentou.
Jacinto Correia falou "do calvário pelos caminhos da justiça", onde só conheceu "desgostos e derrotas". Sobre a indemnização de 150 mil euros a que a Federação Académica do Porto foi recentemente condenada a pagar, Jacinto não tem ilusões. "Eles recorreram e não espero nada daí". "Dinheiro algum paga a vida de Marlon", diz Jacinto, que não enjeitaria uma indemnização se ela permitisse "fazer alguma coisa em nome dele". "De recurso em recurso, o meu filho e nós seremos esquecidos". Mas o seu maior desgosto é "não poder ir ao cemitério dizer ao Marlon que descanse em paz porque os seus assassinos foram castigados".
Pormenores
Arrependido de ter regressado
O pai de Marlon esteve emigrado muitos anos na Venezuela. Em 2002 decidiu regressar a Portugal, "um país seguro para os filhos", Marlon e um irmão, nascidos naquele país sul-americano. Há nove anos que Jacinto vive atormentado pelos remorsos dessa decisão.
Crime só prescreve em 2035
O crime de homicídio qualificado só prescreve a 1 de setembro de 2035, podendo até e em qualquer altura ser reaberto o processo sobre a morte de Marlon. Para tanto são precisos factos ou pistas novos.