A PJ está a investigar um labirinto de entidade que deixou credores "a arder" com cerca de mil milhões de euros. Joe Berardo e advogado são ouvidos esta quinta-feira por novos tipos de crimes.
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O empresário Joe Berardo e o advogado André Luiz Gomes, que foram detidos na terça-feira pela Polícia Judiciária (PJ), por suspeitas de burla, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais, entre outros crimes, são suspeitos de terem montado um labirinto de associações, uma fundação e empresas, que incluiu a constituição de offshores nas ilhas Caimão, em nome de alegados testas de ferro, designadamente de nacionalidade sul-africana.
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O esquema destinar-se-ia a dissimular património que poderia ter servido para cobrir o buraco de 462 milhões de euros criado na Caixa Geral de Depósitos (CGD), aquando da celebração de empréstimos com vista a tomar conta do Millennium BCP, e de pelo menos outro tanto neste mesmo banco e ainda no BES.
Na quarta-feira, Berardo e Luiz Gomes foram presentes ao juiz de instrução Carlos Alexandre, mas os interrogatórios prosseguem hoje, para a aplicação de medidas de coação. Com esta diligência em curso, o Conselho Superior da Magistratura informou que Berardo e o seu advogado estão indiciados de mais quatro tipos de crimes, além dos três apontados anteontem: falsidade informática, abuso de confiança, descaminho e falsificação de documentos.
Processo tem 11 arguidos
A investigação iniciada em 2016 levou, até agora, à constituição de 11 arguidos. Entre eles estão Carlos Santos Ferreira, ex-presidente da CGD e do BCP (para onde transitou após Berardo alcançar uma participação acionista de 10% deste banco), que é suspeito de administração danosa, o filho de Joe Berardo, Renato Berardo, e seis pessoas coletivas, como a Associação Coleção Berardo, detentora das obras de arte dadas como garantia de empréstimos bancários e avaliadas em mais de 300 milhões de euros.
Berardo controla uma série de outras estruturas associativas e empresas, ligadas entre si. Após, em 2007, comprar ações do BCP com empréstimos da CGD validados por Santos Ferreira, Joe Berardo viu a cotação dos títulos cair e começou a "proteger" o património, designadamente aquele que tinha dado como garantia dos empréstimos.
Segundo informações recolhidas pelo JN, desde 2008 que Berardo e o advogado criaram sofisticados esquemas para disfarçar a titularidade de património, que passaram, nomeadamente, pela Associação Coleção Berardo. Em 2016, após CGD, Novo Banco e BCP intentarem uma ação para penhorar a coleção, alterou os estatutos da Associação e promoveu um aumento de capital, dificultando a ação dos bancos.
Paralelamente, apurou o JN, terá passado a titularidade de pelo menos uma associação para sociedades offshore, sediadas em Caimão, que têm como testas de ferro indivíduos da África do Sul, país onde Berardo fez fortuna e mantém contactos.
Em 2016, também criou a Associação Oceano Atlântico, que tem por objeto a defesa do oceano. Esta entidade é proprietária, a 100%, de uma empresa privada, a Hutton Portugal, que nada tem a ver com a defesa dos mares, mas com a "consultoria na área do planeamento estratégico empresarial". O seu gerente é Renato Berardo.
Berardo também terá passado a propriedade de dois apartamentos, situados em Lisboa e avaliados em quatro milhões de euros, para uma imobiliária, a Atram SA, que será detida por uma offshore, igualmente sediada nas ilhas Caimão.
Estes são alguns dos exemplos das encruzilhadas entre mundo empresarial e associativo que as autoridades procuram analisar a pente fino, por suspeitarem de que não passavam de estruturas circulares de propriedade, destinadas a ocultar património ou a fugir ao fisco.
862 obras de arte que valem muitos milhões
A primeira avaliação da coleção de José Berardo foi pedida em 2006 pelo Ministério da Cultura, aquando da cedência do espólio ao Estado. A casa leiloeira britânica Christie's apontou para um valor global de 316 milhões de euros. Provêm dessa análise os montantes individuais conhecidos de algumas das obras. Uma nova avaliação, de 2009, solicitada por Berardo ao Gary Nader Art Centre, de Miami, colocava o montante das 862 peças nos 571,1 milhões de euros. Há dois anos, segundo a defesa do empresário, o valor já chegava a 1,3 mil milhões.